Em conversas feitas em aplicativos, os donos da Buriti Comércio de Carnes, de Aquidauana, revelaram que sabiam do esquema de emissão de notas frias para legalizar o pagamento de propina ao governador Reinaldo Azambuja (PSDB). Responsável pela emissão de R$ 12,9 milhões em notas fiscais falsas, eles temiam ser presos após a divulgação da delação da JBS, homologada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, em maio de 2017.
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A história consta da denúncia apresentada ao Superior Tribunal de Justiça pela subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, no dia 30 de setembro deste ano. Ela denunciou o governador e mais 23 pessoas, inclusive os dois sócios do frigorífico aquidauanense.
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Na Operação Vostok, deflagrada em 12 de setembro de 2018, a Polícia Federal apreendeu o telefone celular de Cristina Chramosta, filha de Pavel Chramosta. Na conversa com ela, os irmãos Daniel e Eduardo Chramosta confirmam o esquema e preocupação em não deixar evidências.
“Nos diálogos, evidencia-se a preocupação dos interlocutores com a possibilidade de prisão em decorrência da participação da empresa nos fatos apontados pelos delatores da JBS. Observa-se também o nítido receio de falarem ao telefone sobre o assunto”, pontua Lindôra.
“Não falem nada no celular”, orientou Daniel Chramosta, denunciado junto com o pai, Pavel, na ação penal contra o tucano. A orientação ocorreu logo após a divulgação do pagamento de propina pela JBS a Reinaldo em troca de incentivos fiscais. A investigação teria comprovado o pagamento de R$ 67,791 milhões.
Em uma conversa, preocupada, Cristina pergunta: “podemos ser presos?”. Daniel responde: “Sim. Também podemos ser presos”. Em seguida, confiante no sistema judicial brasileiro, ele tranquiliza a irmã. “Mas acho que não vai acontecer”, afirmou. Ele também admite participação no esquema criminoso. “Sim, está envolvido”, respondeu.
Também há conversas com Eduardo Chramosta, que morreu asfixiado após sofrer misterioso acidente na mesma semana da divulgação da delação premiada da JBS. Apesar de ter capotado a caminhonete quando voltava de Campo Grande para Aquidauana, ele acabou morrendo por “asfixia mecânica”.
“Por mais de uma vez, o então sócio EDUARDO CRHAMOSTA deixa evidenciar que a empresa ou os sócios não teriam lucrado nada com a operação de emissão de notas falsas para o esquema de pagamento de vantagem indevida da JBS”, destacou a subprocuradora-geral da República.
“Nós não recebemos um centavo disso”, disse Eduardo, conforme quebra do sigilo telemático. Daniel dá mais detalhes. “Tem que explicar isso tudo mas mesmo assim como nós somos ‘laranjas’ representantes da empresa”, contou.
“Na sequência, o denunciado DANIEL explica o contexto da emissão das notas pela BURITI, aduzindo ter havido um cancelamento de notas fiscais da empresa BURITI, feito por ordem de uma pessoa chamada ‘KIKO’, e que em razão disso, teria sido gerado uma dívida de ICMS da ordem de R$ 600 mil para a empresa. Segundo DANIEL, após descoberta do esquema, eles, possivelmente se referindo aos demais administradores da empresa, teriam ‘pressionado’ ‘POLACO’ e ‘KIKO’ para solucionassem o impasse. Como resposta, ele afirma que ‘POLACO’ encontrou uma forma de emitir notas em favor da JBS, pagando o ICMS em substituição às notas canceladas”, explicou Lindôra Araújo.
A quebra do sigilo bancário revelou que José Ricardo Guitti Guímaro, o Polaco, que administrava a conta da Buriti por meio da corretora Carandá, repassou R$ 856,8 mil aos sócios do frigorifício, Daniel e Pavel Chramosta.
“Descoberto o esquema pela família CHRAMOSTA, JOSÉ RICARDO apresenta como solução para saldar a dívida, emitir notas fiscais ideologicamente falsas simulando venda de carne da BURITI para a empresa JBS, o que teria sido aceito por PAVEL CRHAMOSTA e DANIEL CHRAMOSTA, deixando claro a ambos que os valores recebidos a partir da emissão dessas notas fiscais seriam destinados ao ‘pessoal do Governo’, a indicar o conhecimento, por parte de PAVEL e DANIEL, de que agiam em proveito do grupo criminoso integrado por POLACO, associando-se ao projeto criminoso respectivo”, relatou o Ministério Público Federal.
Logo após os repasses da JBS, na conta da corretora, Polaco efetuava os saques e se deslocava até Campo Grande, onde se encontrava com o advogado Rodrigo Souza e Silva, filho de Reinaldo, ou a secretária Cristiane Andréia Barbosa de Carvalho dos Santos. Outro ponto , em todas as ocasiões, ele mantinha contato telefônico com Pavel Chramosta.
“Logo, o fato demonstra o envolvimento direto de PAVEL e DANIEL na operação de dissimulação da origem e propriedade do produto dos delitos praticados pela ORCRIM, a corroborar o envolvimento dos mesmo com o grupo”, concluiu a subprocuradora-geral da República.
A denúncia será analisada pelo ministro Felix Fischer e submetida à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.
A denúncia irritou o governador Reinaldo Azambuja. “Recebi com indignação a denúncia do MPF e aguardo, com serenidade, a oportunidade de fazer valer o direito à ampla defesa, até este momento não concedido”, destacou, em nota à imprensa.
Ele ainda recorreu ao site Campo Grande News para apresentar sua defesa. “Era um resultado até esperado, inclusive para tentar justificar a Operação Vostock. Vocês se lembram: fizeram uma operação exorbitante, totalmente desnecessária e acabaram refém dela. Basta olhar os fatos: todos os que foram presos daquele jeito, totalmente midiático, estavam aqui à disposição da polícia e da Justiça e poderiam simplesmente ser convocados para depor e esclarecer os fatos, as acusações. Mas não! Tinham que fazer daquela forma, e nada é por acaso, não é mesmo? Foi exatamente no meio da campanha eleitoral, poucos dias antes das eleições. Uma coisa despropositada e absurda”, criticou.
“A verdade é que já são três anos de inquérito e nesse longo tempo não conseguiram levantar uma única prova de que eu tenha cometido algum ilícito ou recebido vantagem indevida”, afirmou o tucano, sem ser contestado.