Sempre ficava eufórica na véspera do aniversário de Campo Grande e sempre era pelo mesmo motivo: o jornal. Minha família foi escolhida por essa cidade. É assim mesmo, escolhida por quem era maior e tinha maior poder de decisão. Foi nela que meu pai passou a trabalhar e foi onde cresci com os meus três irmãos.
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Somente uma viu a luz pela primeira vez no solo campo-grandense, o restante saiu do Paraná pelas mãos de um pai, gaúcho. E a cidade nos escolheu, nos deu educação, trabalho, filhos, amigos e histórias boas e más. Ah, a euforia do aniversário ocorria e ocorre um pouco ainda, porque os jornais mostram quem formou Campo Grande.
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Uma vez, na escola, acho que no ensino médio, fizemos uma pesquisa e descobrimos que a maioria dos alunos não tinha nascido na cidade ou tinha pais de fora também. Ou seja, a cidade era um ponto onde as pessoas chegavam, viam, gostavam e ficavam. Os jornais mostravam isso. Falavam de mineiros a japoneses, sem esquecer libaneses, sírios, gaúchos e paraguaios. Na Campo Grande de muitos povos eu me encontrava. Nunca senti como se não fosse “campo-grandense” por essa maneira de contar a história que a imprensa local ainda utiliza e que acredito ser fabulosa.
E se ainda fico eufórica com o aniversário da cidade é porque os mesmos jornais também contam sobre quem partiu, como um dia eu fiz. É quando repórteres tentam saber até onde alcançam os braços campograndenses e é sempre bem longe. Para as terras onde chegam há as perguntas são sobre saudades da comida, dos amigos, dos lugares. Enfim, dos afetos. De fato, isso conta e gosto de bebericar as histórias e pensar: puxa, também tenho saudades do sobá, dos lanches da Avenida Afonso Pena (houve uma época em que era comum muitos trailers lá) e de suco de amendoim que só encontrava na frente do Extra, na Maracaju.
Nas histórias dos campograndenses que vão para muito longe eu me encontro um pouquinho e isso é como se também fizesse aniversário. Manter uma ligação afetiva com a cidade não é sentimento exclusivo meu. Dá imensa alegria encontrar um fora da cidade ou do Brasil, como tem ocorrido comigo. Foi assim, com muita alegria, que conheci a Maria Naves. Ela é mãe de uma colega do jornalismo, ainda dos tempos da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e nos vimos uma vez apenas na Cidade Morena.
No Porto, onde estou há seis anos, Maria e eu somos mesmo amigas. E não foi Portugal que nos uniu, foi mesmo Campo Grande, para onde ela voltaria, se pudesse e tivesse chance. “Eu fui morar em Campo Grande porque meu marido era militar do Exército e foi transferido para lá. Faleceu em um acidente de carro. Eu continuei morando lá com os meus filhos, estudamos e nos formamos na UFMS. Nos tornamos ótimos profissionais. Eu voltaria a morar lá, sim”, confessou-me a Maria, que gosta das largas avenidas principais e da paisagem urbana. Como presente para a cidade, a Maria, que é artesã, ofereceu à comunidade São Benedito um busto da Tia Eva.
O retorno, como disse, dependeria de circunstâncias, principalmente profissionais. Essa também é a limitação para o doutor em Comunicação Mário Doraci, um campo-grandense de coração há quase 20 anos em Paris. Deveria ser apenas um ano, mas se a França o requisita, é para a Capital Morena que já tentou oferecer o conhecimento.
“Eu saí de Campo Grande somente para fazer um mestrado. Era para ser um ano e o objetivo seria voltar. Campo Grande é a cidade que gosto demais, tenho muitos amigos e morei lá durante 15 anos. Até tentei voltar, mas as circunstâncias não ajudaram. Fui para fazer um concurso, estava preparadíssimo e confiante, mas os Correios não haviam entregue os meus documentos”, lamenta.
Eu sou uma das amigas que o Mário Doraci fez nos seus quase 15 anos por Campo Grande. Nos encontramos nos corredores da UFMS, quando eu ainda era estudante de jornalismo e isso faz um bom tempo. Não o suficiente para o impedir de me fazer visitas quando estava em férias do trabalho do Paris. Também não o suficiente para que pudesse me esquecer. Em Portugal, quando o Mário passou o período de estágio de pós-doutoramento na Universidade do Minho, em Braga, tomamos alguns cafés juntos e degustamos a farta comida portuguesa. Fomos acompanhados de amigos que frequentaram os mesmos corredores universitários e lembramos com carinho dos nossos professores, dos bares da vida, do sobá, da política e, lógico, do calor do clima e do calor humano. Como diz o Mário, Campo Grande tem “hospitalidade, espontaneidade e muito abraço. A natureza é um elemento chave, o calor é todo o ano”.
A frase dele me fez lembrar de uma gincana onde eu, isso aconteceu e deveria ser um segredo, fui fantasiada de palhaço. Ali, aos 14 anos, tímida, quase a chorar de vergonha, senti uma mão tocar a minha e um olhar de firmeza. Outro palhaço, esse sem nenhuma maquiagem ou fantasia, mas muito engraçado, me convidava a dançar. Todos riam e eu senti tanta confiança que até tentei algumas peripécias.
O palhaço sem maquiagem foi morar em frente à minha casa e viramos grandes amigos. Hoje, lá do País de Gales, ele liga em pleno sábado para falar de nada e de tudo e dos tempos idos. Nossas conversas giram em torno de Campo Grande, da cidade que nos uniu. Ah, o nome dele é Paulo Coelho Machado, mas não é o escritor.
Quando o Paulo saiu de Campo Grande e foi morar em Londres e sentimos saudades, mas ele volta todo ano, e percebemos que é bom ter do que lembrar. Visita meus pais, fala com meus irmãos. Recebe afeto e aconchego. Não pensa em voltar em definitivo, mas carrega essa marca, a de sair de uma cidade que não sai de seus habitantes. Parabéns cidade Morena, obrigada por nos escolher.