O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, culpou o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), pelas 100 mil mortes causadas pela pandemia do coronavírus. Ao considerar o mandatário como “negligente”, ele diz que a atitude negacionista pesou na propagação da doença. “É um tipo de abandono de incapaz. Você calar o ministério no meio da maior crise sanitária é jogar o povo a própria sorte”, comentou o médico em entrevista ao Estadão.
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Neste sábado (8), o Brasil superou a marca do 3 milhões de casos positivos e 100.546 mortes. A tragédia ocorre com o Ministério da Saúde sem titular há três meses. Bolsonaro demitiu Mandetta e o substituto, Nelson Teich, pediu demissão um mês após assumir a tarefa. A pasta está sob comando interino do general Eduardo Pazuello.
Responsável pelo combate à pandemia no início, Mandetta ganhou notoriedade nacional ao conceder entrevistas diárias para alertar a população sobre a gravidade da covid-19 e da necessidade de manter o isolamento social. Bolsonaro acusou o ortopedista campo-grandense de fazer terrorismo com a população.
Em entrevista publicada ontem, Mandetta contou que Bolsonaro preferiu acreditar nos auxiliares e apostava que a pandemia causaria mil mortes e duraria apenas três meses. No entanto, apesar da situação estar fora de controle em várias regiões, o ex-ministro não classificou a situação como “genocídio”, termo usado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.
“Ele (Bolsonaro) foi negacionista desde os primeiros dias. Entregou o jogo no primeiro tempo. A gente tentava trazê-lo de volta para a realidade. Mas ele se recusou”, afirmou o ex-ministro, que apoiou a candidatura de Bolsonaro a presidente da República desde o início. “E se recusa até hoje a encarar a realidade, de que é falso o dilema entre economia e saúde”, destacou.
Mandetta espera que a marca das 100 mil mortes sirva de “choque de realidade” para o governo assumir a gravidade da pandemia. Ele avalia que o Brasil está passando pelo pior momento da covid-19. Famoso por pregar o pico nas semanas subsequentes, o ex-ministro da Saúde começou a profetizar dias melhores. “Os números provavelmente vão ficar melhores em setembro”, previu.
O médico sul-mato-grossense alertou que a situação seria muito pior caso prevalecesse a tese negacionista. “O pior cenário não é esse (dos 100 mil óbitos)”, disse, referindo-se a Manaus, capital do Amazonas. “Até falência de funerária eles tiveram. Aquilo era o pior quadro. E se tivesse prevalecido a vontade dos negacionistas, ia acontecer o mesmo no Brasil todo. A gente ganhou tempo. Conseguimos salvar mais vidas, pois deu tempo para o sistema se organizar”, analisou.
O único estado que não conseguiu parece que foi Mato Grosso do Sul, que montou hospital de campanha por R$ 1,7 milhão, mas não vai usá-lo justamente no pico da pandemia. O governador Reinaldo Azambuja (PSDB) não montou a unidade para os doentes com coronavírus. Apesar do mundo todo saber da gravidade da doença, o Estado montou estrutura para atender “vítimas da dengue”.
“A gente conseguiu, durante um intervalo, falar para a população brasileira a realidade. E as pessoas conseguiram montar algumas defesas. Muita gente permanece fazendo o que é correto. Se fosse aquela história de quarentena vertical, sai todo mundo de casa e somente pessoas acima de 65 anos ficam, teria sido um número infinitamente superior”, avaliou Mandetta.
O ex-ministro afirmou ser irônico que Bolsonaro “debocha” da ciência, mas aposta na vacinação para encerrar a crise. “Tomara que tenha solução. A gente torce. Mas é ruim criar essa expectativa, na tentativa das pessoas diminuírem a sua defesa, seus cuidados, colocando essa sensação de que a vacina está logo ali”, alertou.