A concessão de habeas corpus ao narcotraficante Gerson Palermo, 62 anos, que fugiu oito horas após colocar tornozeleira, mostra a normalidade e eficiência do Poder Judiciário sul-mato-grossense. Esta é uma das principais justificativas do ex-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, desembargador Divoncir Schreiner Maran, que soltou o narcotraficante no feriado de Tiradentes sem exigir atestados médicos dos problemas de saúde e seguir as instâncias judiciais.
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Na quarta-feira, os advogados André Borges e Lucas Rosa protocolaram a defesa do magistrado no CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Eles pedem o arquivamento da investigação aberta pelo corregedor-nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, para apurar se houve irregularidade na polêmica decisão.
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Condenado a 126 anos de prisão em regime fechado e um dos mais famosos bandidos brasileiros, que inclui o sequestro de um Boeing, Palermo usou a pandemia para convencer o desembargador a lhe conceder prisão domiciliar. O habeas corpus foi protocolada no final da tarde de segunda-feira. O desembargador concedeu o benefício às 8h do dia 21 de abril, feriado.
“Como se vê, da decisão do requerido não faltaram agilidade (típica de qualquer HC), fundamentação exauriente (para a espécie, juízo provisório), vinculação aos fatos que lhe foram apresentados, atenção à Recomendação do CNJ e equilíbrio dos valores jurídicos envolvidos (prisão domiciliar/pandemia x controle/tornozeleira), valendo citar ser ‘ampla a liberdade do juiz ao apreciar a assertiva concernente à existência da coação’”, afirmam os advogados.
Na defesa, Divoncir tenta responsabilizar o relator, desembargador Jonas Hass da Silva Júnior, que determinou a volta imediata de Palermo à prisão pela fuga. “O paciente do HC em questão acabou rompendo a tornozeleira e se evadindo. Mas isto não se deu após a liminar deferida pelo requerido e sim após o relator titular do HC haver revogado a liminar concessiva do benefício (está nos autos, a f. 319, o documento respectivo: o rompimento se deu no dia 22.4.20 às 20:14; a decisão que revogou a liminar foi liberada nos autos no dia 22.4.20 às 17:26”, acusou.
“Obviamente que se lamenta a ocorrência, não querida e de forma alguma desejada pelo requerido (que, da mesma forma que o Desembargador que revogou a liminar, se preocupa com ‘o direito da coletividade em ver preservada a paz social’, f. 222), sendo certo, porém, que esse RISCO deve ter sido sopesado também pelo CNJ quando da edição da Recomendação 62/2020”, afirmou.
Por outro lado, a defesa ressaltou que a concessão do benefício do narcotraficante é exemplo do funcionamento e da eficiência do Poder Judiciário. “O contido no HC revela o normal funcionamento do Poder Judiciário: um Desembargador plantonista experiente atuando fundamentadamente, com agilidade e eficiência; outro Desembargador (titular do processo), também experiente, externando razões que o convenceram da necessidade de ser revogada a liminar. O que não havia como prever (e controlar, especialmente pelo Judiciário) foi o rompimento da tornozeleira e a fuga (posterior à revogação da liminar, que não foi um fato inédito)”, destacaram os advogados.
Em seguida, a defesa destaca a carreira de Maran, que em mais de quatro décadas de atuação nunca foi alvo de nenhuma denúncia. “Não se podia esperar forma diferente de atuar do requerido: magistrado experiente (certidão anexa: magistrado há quase 40 anos; Desembargador há mais de 20 anos, já tendo sido honrosamente Corregedor e Presidente do Tribunal de Justiça pantaneiro), altivo, firme, que não vê nomes em capas de processos (frase sempre utilizada pelo respeitado Ministro Marco Aurélio) e daqueles em que os processos não penam nas mãos como as almas no purgatório (Rui Barbosa; produtividade anexa, sempre estando entre os mais céleres, comparado o número de recursos distribuídos e julgados), que tudo decide segundo a própria convicção jurídica, devidamente fundamentada, e que (pelo seu histórico de homem decente da Justiça) jamais sofreu qualquer processo administrativo disciplinar no âmbito do TJMS”, frisaram.
Em seguida, Borges e Rosa fazem duras críticas aos meios de comunicação, que repercutiram a fuga do narcotraficante condenado a 126 anos de prisão após o habeas corpus concedido pelo desembargador. “Tudo não passou de notícia alarmista (e sem elementos concretos de violação a deveres funcionais) dada pela imprensa, que (apesar dos prejuízos indevidos causados à imagem e à honra do requerido) está no seu papel, nefasto, certamente (‘A imprensa separa o joio do trigo. E publica o joio’ – Adlai Stevenson), parecendo desconhecer que o sistema penitenciário em todo o Brasil”, acusaram.
“O arquivamento do procedimento, portanto, é a medida justa e adequada para o caso, porquanto ‘em vista dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica e, ainda, a repercussão negativa na esfera funcional, familiar e pessoal do servidor público, mostra-se indispensável a necessidade de justa causa para a abertura de sindicância ou processo disciplinar’”, concluem.