A Justiça Federal enxergou preconceito e posição contrária a política nacional de proteção ao índio e suspendeu a nomeação do capitão reformado do Exército, José Magalhães Filho, 73 anos, como coordenador regional da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Campo Grande. A liminar foi concedida ontem (30) pela juíza Janete Lima Miguel, da 2ª Vara Federal, que anulou decreto publicado em fevereiro pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
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A magistrada se inspirou no ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, responsável por impedir a posse do delegado Alexandre Rasmage, amigo dos filhos do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). De acordo com o ex-juiz Sergio Moro, o presidente pretendia nomeá-lo para interferir nas investigações da Polícia Federal.
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A decisão da Justiça Federal surpreendeu o Magalhães Filho, que era famoso por usar megafone para protestar na Capital nos últimos 21 anos. O coordenador da Funai caiu por falar demais. Desde a posse, ele foi claro que a missão era deixar claro que a Funai “não era casa de índio” e tinha a missão de socializar o indígena.
Na ação popular protocolada em fevereiro, o líder terena de Miranda Lindomar Ferreira e o professor Alberto Franco Dias acusaram o militar de adotar discurso “carregado de estereótipo, preconceito social e racismo” contra os índios. Ele também era totalmente contra a política indígena brasileira estabelecida na Constituição Federal.
Os autores pontuaram que a nomeação ia na contramão do papel constitucional da Funai, principalmente em Mato Grosso do Sul, onde a questão indígena é marcada pelo conflito fundiário, assassinato sistêmico de lideranças indígenas, alta taxa de suicídio e falta de assistência à saúde nas reservas.
Na decisão, Janete Lima Miguel dá entender que a Funai é, ao contrário do que prega o coordenador regional afastado, casa do índio. “Nos termos do Decreto n. 9.010/2017, que aprovou o Estatuto da Fundação Nacional do Índio, a FUNAI possui diversas finalidades, dentre elas a de proteger e promover os direitos dos povos indígenas, garantindo o cumprimento da política indigenista do Estado brasileiro, baseada no respeito e reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas (art. 2º)”, analisou.
Em seguida, a magistrada cita declarações polêmicas de Magalhães Filho aos jornais e emissoras de televisão, em que deixa claro o desconhecimento da Constituição brasileira e do papel da Funai. “O capitão reformado do Exército … fez discurso e declarou que o principal objetivo da gestão será ‘socializar o índio’”, destacou. Em seguida, cita trechos em que ele demonstra preconceito – de que as festas só possuem comida e de que a cultura indígena é coisa de esquerdopata – e de que o índio precisa aprender o português.
“Nós temos que preparar essa criança, esse indiozinho, essa indiazinha, para frequentar escola urbana; e assim começar a namorar com pretinho, com branquinho, e essa integração vem surgindo automaticamente”, afirmou o capitão em entrevista à TV Morena, conforme trecho destacado pela juíza.
“Logo, as diversas declarações prestadas pelo Coordenador têm o condão de ofender justamente o grupo que deve ser protegido pela FUNAI, o que põe em sério risco a representatividade da minoria e garantia dos direitos constitucionais de organização social, costumes, línguas, crenças e tradições indígenas”, destacou.
“Por fim, não se pode olvidar a manifesta existência do periculum in mora, diante do clima de instabilidade institucional que surgiu com a reação da comunidade indígena ao ato de nomeação. Ademais, há que se ressaltar a urgente necessidade de implementação, nas comunidades indígenas locais, de medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus”, destacou.
Com a suspensão da nomeação, a Funai deverá ganhar novo coordenador regional de Campo Grande. A decisão põe fim à pequena experiência de Magalhães, que tinha decidido aposentar o megafone para assumir cargo comissionado.
O Ministério da Justiça argumentou que a nomeação é de prerrogativa do presidente da República e Magalhães Filho tem qualificação técnica para o cargo. Como exemplo, citou a atividade dele como militar, onde teria exercido atividade no setor financeiro do Exército.
O Governo destacou a independência entre os Poderes da República. Para rebater este ponto, a magistrada citou trecho do ministro Alexandre de Moraes para suspender a nomeação de Ramage para a chefia da Polícia Federal.