“Medo? Claro que temos! Acontece que o medo é uma coisa que a pessoa que trabalha com saúde precisa conviver. Existe um risco biológico e vamos levando. Levamos com medo mesmo, nos prevenindo como entendemos que deve ser, nos protegendo e tentando proteger nossa família”. O desabafo é de uma profissional de saúde da rede particular de saúde em Campo Grande que, em meio à pandemia de covid-19, compra o próprio Equipamento de Proteção Individual (EPI) e produtos para desinfecção; assiste o trabalho de colegas em grupo de risco que não foram dispensados e teme uma iminente contaminação por SARS-Cov-2, o coronavírus causador da covid-19.
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No hospital onde atua, o Proncor de Campo Grande, há pacientes em tratamento por covid-19 e que ficam separados em uma área isolada. “Eu sei que as pessoas que lidam diretamente no isolamento têm EPI. Não sei se são suficientes, porque no geral, nos falam até para poupar luvas. O que vai para lá é descartável, até mesmo o material para alimentação. Acontece que no restante do hospital a rotina é natural, como se não houvesse uma emergência sanitária dessa natureza”.
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A trabalhadora revela que não houve treinamento estendido a todos os funcionários do hospital para atenção à pandemia, há pessoas grávidas em atuação de setores diretamente ligados aos pacientes, como a cozinha, e não existe atenção diferenciada para quem atua na limpeza. “Temos a impressão de que somos nós por nós. Cada um por si. Nós tivemos que fazer uma vaquinha para a compra de máscaras e há pessoas que usam as caseiras para o deslocamento até o hospital. Tenho medo por duas mulheres grávidas que continuam na ativa, na cozinha, como se este fosse um momento propício para estar diretamente em uma unidade que recebe pacientes e que oferecem elevado risco de contaminação”, lamenta.
A situação não é diferente na rede pública, mesmo com maior suporte econômico, como o Hospital Universitário, onde os profissionais permanecem em risco de contágio, enquanto não é resolvido o abastecimento de EPIs. Na linha de frente, como reportam, também precisam comprar luvas, máscaras e produtos para desinfecção.
“Recebi uma ligação de um funcionário sem acesso a óculos de proteção. Além disso, a chefia havia dispensado apenas uma máscara cirúrgica para cada servidor. Cada plantão dura 12 horas, diante de um protocolo que prevê uma máscara cirúrgica a cada 2 horas”, aponta a coordenadora geral do Sista (Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Institutos Federais de Mato Grosso do Sul), Cléo Gomes.
Funcionários encaixados em grupo de risco e com as chamadas comorbidades também permanecem na ativa no Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS/Ebserh), mesmo diante da pandemia, alerta a coordenadora. Não há, revela a sindicalista, respeito a medidas básicas de proteção aos servidores, como o respeito à distância mínima e vigilância nos materiais que entram no HU por parte de visitas.
“As pessoas entram na maternidade, por exemplo, com embalagens. Carregam, sem saber, o vírus para dentro do hospital”. Assistir ao descuido permanente da direção é preocupante para quem necessita estar todos os dias em contato com uma situação sanitária inédita em que a propagação do coronavírus representa risco permanente para profissionais e a para a população.
“É notável a racionalização e falta dos EPIs vivenciada por profissionais da saúde. Está sendo mais preocupante a precarização das condições do trabalho. Na sala em que nós concentramos as atividades há aglomeração de profissionais. Lá, além de atendermos usuários e famílias ao mesmo tempo, dividimos a sala. É uma situação que fere princípios éticos amparado por resolução que prevê sigilo e privacidade de atendimento”, explica uma servidora que não será identificada.
Conforme Cléo Gomes, um esquema de revezamento foi sugerido para a direção, que descartou a possibilidade. “O fluxo de pessoas é muito grande e a superintendência não aceita o revezamento”, lamenta. A dirigente sindical alerta para pessoas em idade de risco e também as que estão na área administrativa do hospital com suporte, apenas de máscaras de pano, inadequadas para o ambiente. “Sabemos que há pessoas assintomáticas. Se houver contágio, será o caos. O próprio Sista doou máscaras, PFF1 equivalentes a N95, mas há quem use máscaras caseiras dentro do hospital.
A diferença de desempenho é evidente. Máscaras não cirúrgicas (que fogem às especificações ou são caseiras) representam uma barreira física para evitar a emissão de gotículas da saliva e não podem ser comparados aos complexos EPIs recomendados por diretriz da OMS (Organização Mundial de Saúde) para profissionais de saúde. O nível mínimo de proteção indicado pela entidade é o 3 para profissionais que atuam no tratamento de doentes de covid-19 nas áreas de isolamento, com casos confirmados ou suspeitos. Nesse nível de proteção, os trajes e paramentos conseguem prevenir ao máximo a disseminação de patógenos, porque não são impermeáveis e ajudam a garantir o isolamento dos profissionais.
Falhas na segurança de EPIs estão entre as explicações para o contágio de profissionais da saúde na China, na Itália, na Inglaterra e no Brasil. Chineses, embora utilizassem equipamentos de elevada proteção, eram contaminados no momento de tirar as roupas. Na Itália, 140 médicos morreram devido ao contágio por coronavírus e na Inglaterra, um médico morreu após denunciar o uso de sacos de lixo no manejo de doentes com covid-19 – não foi a única perda dos quadros de saúde ingleses. Mesmo quem tem o equipamento à disposição está sujeito à contaminação porque há um protocolo específico para vestir e para retirar os paramentos com segurança.
Tanto cuidado oficial pegou de surpresa a funcionária do Proncor. “Não sabemos de tantos detalhes, vamos lendo, buscamos nos informar. Fazemos isso porque temos que nos proteger e fazer isso com nossas famílias. No fim, trabalhamos por instinto”.
E é o instinto por sobrevivência que levou a trabalhadora do Proncor a buscar de forma independente a maior quantidade de informações para evitar riscos de contaminação para ela e a família. “Eu li ao máximo. Trago comigo álcool em gel, deixo uma área na minha casa para retirar a roupa contaminada, descarto luvas e máscaras antes de entrar e, depois do banho, ainda passo álcool em gel no corpo todo”.
A profissional afirmou que jamais viu qualquer tipo de fiscalização dentro do hospital, e gostaria que providências fossem tomada por ela, pelos colegas e pacientes. “Eu sei que as coisas não seguem um padrão para este tipo de situação. O mínimo de segurança não é respeitado e isso nos dá medo. Precisamos trabalhar, mas talvez não estejamos mais aqui”.
O que diz o Proncor?
A assessoria de imprensa do Proncor informou que está tomando todas as recomendações indicadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pela SES (Secretaria de Estado de Saúde). Informou, ainda, que o hospital enfrenta dificuldades para encontrar EPIs e que máscaras de proteção estão em valores elevados, tendo passado de R$ 080 para R$ 3,50 cada unidade.
O que diz o Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian?
A nota que nos foi enviada é assinada por Cláudio César da Silva, superintendente do HU:
“O Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS/Ebserh) esclarece que tem seguido as orientações preconizadas pelo Ministério da Saúde durante essa epidemia e que se preocupa diariamente com a segurança dos colaboradores e pacientes que aqui se encontram.
Toda semana são realizados monitoramentos e constantemente novas medidas de segurança são tomadas para prevenir a saúde de nossa equipe e preparo para ajuda no atendimento da população.
Cabe ressaltar que o Humap-UFMS é apoio técnico no atendimento dos casos de coronavírus, sendo o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul Rosa Pedrossian, o hospital de referência para os casos de COVID-19. Até o momento, o Humap-UFMS não possui nenhum caso suspeito ou confirmado de pacientes infectados com coronavírus.
Não há falta de EPI’s para o combate à Covid-19 na unidade, tendo recursos já empenhados nos contratos vigentes e entregas sistemáticas em todos os setores assistenciais, que contemplam aquisição de EPI´s, saneantes e materiais ligados ao enfrentamento da pandemia que, só este ano, superam os R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).
O Humap-UFMS ainda apoiou o Hospital Universitário da Grande Dourados, o Hospital Regional Rosa Pedrossian, o SAMU e o Hospital da Base Aérea de Campo Grande com a cedência desse tipo de material.
Como medidas para o enfrentamento do coronavírus o Humap-UFMS ainda realizou: suspensão das atividades acadêmicas, alteração da rotina de visitas aos pacientes, suspensão das atividades religiosas, suspensão dos atendimentos ambulatoriais, das cirurgias eletivas, dos exames laboratoriais e de imagens e dos atendimentos presenciais na ouvidoria com o objetivo de evitar ao máximo o número de pessoas circulando no hospital.
Também providenciou o distanciamento das mesas de trabalho e disponibilizou álcool em gel ou glicerinado para os empregados. O serviço de segurança do trabalho tem realizado entregas sistemáticas em todos os setores assistenciais de protetores faciais, óculos de segurança e máscaras N95.
Os empregados terceirizados também recebem materiais das próprias empresas, por força contratual.
O Humap-UFMS tem realizado esclarecimentos sobre sua atuação e também sobre a doença. Além disso, tem orientado os profissionais sobre o uso racional desses itens pois, apesar de ter os materiais e recursos para compra, não há como prever o comportamento do mercado durante a epidemia.
Em relação à obrigatoriedade do uso de máscaras por parte de visitantes e profissionais da área administrativa, o Humap-UFMS não tem autonomia para obrigá-los a utilizar a peça, no entanto diante do Decreto da Prefeitura Municipal de Campo Grande que recomenda o uso de máscaras em Campo Grande para qualquer pessoa quando sair de casa durante o período de emergência do novo coronavírus-Covid-19, o hospital estará soltando um documento na próxima quarta-feira (22/04/2020) com orientações sobre os uso das mesmas nas áreas administrativas, inclusive já providenciou a confecção de diversas máscaras de tecido para tal.
Nas áreas assistências do Humap-UFMS o uso de máscaras é obrigatório.
Por fim, o Humap-UFMS se coloca à disposição e solicita que sejam apontados quais profissionais, locais e turnos que se encontram em desacordo para que possam orientar ou tomar as providências, caso seja necessário.”
O que diz o Sinmed?
O presidente do Sinmed (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul), Marcelo Santana, afirmou que a entidade planejou visitas a todas as unidades hospitalares, mas está começando o trabalho pelos hospitais públicos. Já foram visitados o Hospital Universitário, a Santa Casa, o Hospital Regional e está prevista a fiscalização na Maternidade Cândido Mariano.
Também foram visitadas as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e Centros Regionais de Saúde (CRS). “O que foi verificado nesses locais é a existência de EPI, mas o uso é racionalizado. Há máscaras (N-95) que não estão disponibilizadas para quem não está no atendimento direto. Esse equipamento fica restrito às áreas vermelhas. Para essa área, os profissionais têm à disposição óculos, máscaras, gorros, capotes impermeáveis, luvas e kits de emergência. O EPI completo está disponível somente para quem está no manejo direto do paciente sintomático. Para os demais não há”, revela.
O sindicalista disse, ainda, que o Sinmed vai continuar com as visitas e já verificou problemas com ventiladores na unidade de saúde do bairro Tiradentes, o que ficou resolvido.
Quanto à situação específica do Proncor, o Sinmed informa que não recebeu nenhuma denúncia. O presidente, contudo, disse que o sindicato está aberto a receber qualquer tipo de informação. Disse, ainda, que profissionais de áreas que não preveem contato direto com o paciente, como cozinha devem utilizar máscaras adequadas. Já os profissionais de limpeza precisam do suporte do EPI. Segundo o Sinmed, o empregador que não garantir a segurança do profissional está sujeito a multas previstas pela legislação trabalhista.
O que diz o Conselho Regional de Enfermagem:
Quando acionado por denúncias recebidas via telefone, e-mail e Ouvidoria o Coren-MS tem realizado, antes, contato para fiscalização remota, e depois feito inspeção in loco nas unidades de saúde onde profissionais apontam a falta ou insuficiência de EPIs.
Os enfermeiros fiscais vão até os locais e, em contato com a chefia de Enfermagem, checam disponibilidade de EPIs e, quando há, quantidade e qualidade dos mesmos. Temos orientado também quanto a medidas de adequação do atendimento, para garantir a segurança dos profissionais e das pessoas que buscam aquela unidade. Outra orientação
Os contatos com os RTs (enfermeiros responsáveis técnicos) das unidades passam de 100. É o que estamos chamando de fiscalização remota. Enviamos formulários com questões sobre as condições de trabalho da enfermagem durante a pandemia, analisamos e entramos em contato novamente para informações adicionais. Se há denúncias e se há alguma inconformidade com as respostas, nós listamos a unidade no cronograma de fiscalizações emergenciais
Já foram fiscalizadas as unidades do Hospital Regional de MS (que é o centro de referência para atender pacientes com a covid-19 em MS); Hospital Regional de Nova Andradina; Hospital Cassems de Nova Andradina; UPA Batayporã e Hospital Unimed Campo Grande; Hospital do Pênfigo – Centro
O Proncor está na lista de fiscalizações emergenciais.
Se são constatados problemas, não somente em relação aos EPIs, mas também em relação ao déficit no quadro pessoal de enfermeiros e técnicos de enfermagem, os gestores do local são notificados para tomarem providências. Quando não há resolutividade, buscamos intervir junto ao Ministério Público de MS e, ainda, ingressamos Ação Civil Pública. Além disso, estamos providenciando doações de EPIs e levando treinamento até as unidades. Foi o que fizemos na sexta-feira passada (20), na UPA de Batayporã.