Em artigo, a advogada Giselle Marques, coordenadora do Juristas pela Democracia, fala do aumento do femincídio em Mato Grosso do Sul, recordista nacional nos crimes contra as mulheres. Na sua opinião, esta relação se reflete na Assembleia Legislativa, que, pela primeira vez em décadas, não conta com uma representante do sexo feminino.
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Giselle Marques (*)
Oito de março é o Dia Internacional da Mulher. Surgiu do sacrifício de operárias que lutavam pela melhora das condições de trabalho em Nova York, e morreram queimadas vivas presas dentro da fábrica em que trabalhavam. Recentemente, a data vinha se distanciando do seu real significado, passando a ser explorada por interesses comerciais para a venda de flores, bombons e presentes em geral. Os homens costumam nos dizer no dia 8, de forma delicada: parabéns pela sua data, como se houvesse algo de positivo a ser celebrado.
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Infelizmente, não há muito que comemorar. Os homicídios que ocorrem em razão da condição feminina e da violência doméstica, só aumentam. É o chamado “feminicídio’, um crime praticado geralmente por familiares, companheiros, maridos e ex, que se sentem donos da mulher, como se ela fosse um objeto de posse deles.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta Mato Grosso do Sul como campeão em feminicídios e também em estupros. Quase 1.500 mulheres foram estupradas em 2016 nas cidades sul-mato-grossenses, uma taxa de 54,4 por mil, mais que o dobro da média nacional.
Essa relação de opressão se reflete também na Assembleia Legislativa. Mato Grosso do Sul é o único estado da federação brasileira onde nenhuma mulher adquiriu o direito de sentar-se entre os deputados: não há representação feminina ali. Mas neste dia 03 de março os deputados foram obrigados a ouvir dezenas de mulheres que, revoltadas, gritando palavras de ordem, ocuparam a Assembleia.
O movimento foi articulado pelas redes sociais, e as mulheres foram recebidas pela polícia montada. Mas não se intimidaram, e estenderam um varal de calcinhas em meio à sessão legislativa, passando a proferir discursos denunciando a violência de gênero.
A gota d´agua que fez o copo feminino transbordar foi a utilização da tribuna na semana anterior por deputados para criticarem o fato de que uma calcinha teria sido encontrada na porta de uma igreja evangélica, durante os festejos do carnaval. Mulheres das mais variadas vertentes (estudantes, donas de casa, profissionais liberais, artistas, etc) entenderam que os deputados deveriam ocupar o espaço para discutir e aprovar projetos de lei que melhorem a vida das mulheres, ao invés de exaltar o falso moralismo.
“Nossas mulheres de família têm vergonha de vocês”, chegou a dizer um dos deputados, como se aquelas mulheres que ali estavam, por terem ousado reivindicar seus direitos, não tivessem pai, ou mãe, como se fossem “nada”. Esta é a autêntica visão machista: a de que existiram dois tipos de mulheres – a Santa, que merece viver, e a puta, sem família, que merece morrer.
Somos muito mais do que isso: somos pessoas inteiras, íntegras, trabalhadoras, donas da nossa vida, dos nossos corpos e dos nossos destinos. A calcinha é uma peça íntima e, ao ser exposta no varal assemblear, rompeu as amarras às quais querem nos aprisionar. Quando a mulher se posiciona como dona de si própria, ela se empodera, e assusta o machista, o estuprador, o assassino e, até mesmo, outras mulheres, as quais não conseguem vislumbrar que com delicadeza, bombons e flores, pouco se conquistou. A palavra “feminismo”, para muitos, significa desequilíbrio, falta de depilação ou de família. Mas ser feminista nada mais é do que lutar por igualdade de direitos entre homens e mulheres, ou seja, entre pessoas humanas.
Março de 2020 ficará marcado na história de Mato Grosso do Sul, seja pela “Revolução das Calcinhas”, ou pelas inúmeras outras manifestações que acontecem na capital. Com muita criatividade as mulheres sul-mato-grossenses evidenciam que querem escrever uma nova hitória.
“Elas Pelo Parque”! Este é o nome do show que acontecerá no sábado, dia 07 de março de 2020, véspera do Dia Internacional da Mulher, em Campo Grande, a partir das 9h. O evento faz parte da campanha empreendida pelas mulheres em defesa da biodiversidade do Parque dos Poderes que (pasmem!) o Governo do Estado quer desmatar.
As cantoras Marta Cel; Jool; Beca Rodrigues; Camila Brasil; Vitória Queiróz, duo VozMecê e as Bandas Sarapatel e Deusas do Cerrado se apresentarão e estarão doando seus cachês em prol da causa. O show será na Rua Barão do Rio Branco com a 14 de julho, em frente ao Bar do Zé. Também ocorrerão desfiles de grifes feministas e moda praia com motivos afro-ameríndios, inspirados no empoderamento feminino. Pretende-se dar visibilidade às ameaças que a mata nativa do Parque dos Poderes está sofrendo, tendo em vista que o governo do estado anunciou que pretende suprimir a vegetação nativa para a construção de estacionamentos e outras edificações.
O movimento já logrou importante vitória no dia 18 de fevereiro de 2020 quando o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul julgou o Agravo de Instrumento n. 1409177-32.2019.8.12.0000, e manteve a tutela de urgência na ação civil pública n. 0914940-68.2019.8.12.0001 proposta pelo Ministério Público Estadual suspendendo o desmatamento de 3,31 hectares do Parque dos Poderes.
Mas a ameaça permanece em relação a aproximadamente 25 hectares não abrangidos pela ação judicial. Se o desmatamento acontecer, haverá piora no problema dos alagamentos, comprometimento da qualidade dos recursos hídricos e perda de importante ilha de frescor da cidade, além dos impactos negativos às atividades de lazer e desportivas praticadas pela população. Isto sem falar nos prejuízos para o turismo pois Campo Grande é reconhecida como a Capital do Turismo de Observação de Aves.
No ano de 2019 os movimentos já haviam requerido à Fundação de Cultura do estado o Tombamento do Complexo do Parque dos Poderes, e a solicitação foi publicada pela fundação no diário oficial do dia 30 de julho de 2019. O Governo, no entanto, alega que desconhecia a posição da população contra o desmatamento. Mas é bom que os governantes se informem e desistam de desmatar o Parque, pois neste dia 8 de março de 2020, o dia internacional da mulher recupera seu verdadeiro significado, e as mulheres demonstram que não querem apenas flores, mas a floresta inteira.
(*) Giselle Marques é advogada, Doutora em Direito Ambiental e Coordenadora do movimento Juristas pela Democracia