A Operação Reagente, deflagrada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial na Repressão ao Crime Organizado) no dia 30 de novembro de 2018, virou um grande fiasco na Justiça. Mais um juiz viu falhas e inconsistência na denúncia feita pelo promotor Adriano Lobo Viana de Resende, da 29ª Promotoria do Patrimônio Público, e inocentou todos os acusados de desviar R$ 2,815 milhões do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul.
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Sentença do juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, publicada nesta quinta-feira (6), absolveu o ex-diretor-geral do HR, Justiniano Vavas, o gerente de laboratório Adriano César Augusto Ramires dos Santos, o ex-superintendente de Gestão de Compras, Marcus Vinícius Rossetini de Andrade Costa, o empresário Luiz Antônio Moreira, dono da Neoline Produtos e Serviços Hospitalares, o ex-coordenador de procedimentos licitatórios da Secretaria de Administração, José Roberto Scarpin Ramos, o funcionário da empresa, Luiz Bonazza, entre outros.
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Este é o segundo magistrado a ver falhas na investigação do MPE. No início de março do ano passado, a juíza Eucélia Moreira Cassal, da 3ª Vara Criminal de Campo Grande, em decorrência do mesmo problema, rejeitou a denúncia por peculato, corrupção passiva, fraude em procedimento licitatório, lavagem de capitais e associação criminosa contra o grupo. A promotoria prometeu reapresentar a acusação, mas não protocolou o pedido, passado 11 meses.
Gomes Filho lamentou a inconsistência na acusação, apesar da gravidade dos fatos narrados. “Apesar da gravidade dos fatos narrados, as defesas possuem razão quando reclamam da ausência de sistematização e de objetividade da petição inicial, pois, no caso destes autos, o autor dispersou vários dados ao longo da petição inicial, sem estabelecer uma relação inteligível entre eles”, pontuou.
“O texto não segue uma linha cronológica dos fatos o que dificulta a noção sobre o que aconteceu. Os personagens não são apresentados organizadamente, simplesmente surgem no texto em meio à argumentação apresentada”, anotou o magistrado.
“Para ser honesto, após ler e reler várias vezes a petição inicial, as defesas e a impugnação apresentada pelo Ministério Público, este magistrado até conseguiu entender uma boa parte da história”, resigna-se.
O mais grave é que as suspeitas do promotor levaram à prisão de três envolvidos no suposto desvio de R$ 2,815 milhões. David de Oliveira Gomes Filho bloqueou R$ 11 milhões dos supostos integrantes da organização criminosa. O Tribunal de Justiça reduziu o bloqueio para R$ 2,815 milhões, que foi mantido até hoje, quando o magistrado suspendeu a indisponibilidade dos bens.
Na sentença, em que extingue a ação por improbidade e põe fim ao pesadelo dos réus de estar com os bens bloqueados e suspeita de corrupção, o juiz não deixa de se mostrar constrangido com a situação.
“Em razão de todo o exposto, é forçoso reconhecer a inépcia da petição inicial, pela falha na narrativa dos fatos. Que fique o registro que petições iniciais com as falhas aqui mencionadas são absoluta exceção no rol de ações até hoje propostas na 2ª Vara de Direitos Coletivos de Campo Grande, motivo pelo qual não vejo a alegada má-fé reclamada na petição de fls. 2.773/2.791. Só existe má-fé, quando a intenção da parte em burlar as regras processuais é clara e isto não ocorre neste processo”, concluiu, buscando isentar os promotores das falhas apontadas na sentença.
O MPE tinha apontado superfaturamento e direcionamento na licitação para beneficiar a empresa de Luiz Antônio. A Lab Pack Brasil perdeu a representação da SIEMENS e passou a defender a Ortho Clinical Diagnostics. No mesmo período, a Neoline aposentou o equipamento da SIEMENS, que era usado na realização de 50 mil exames por mês no HR. Coincidentemente, o hospital acabou adquirindo o equipamento da Ortho.
“Do exposto, nota-se que os fatos são muito graves e merecem uma exposição à altura das suspeitas levantadas. Ocorre, como já foi dito, com o máximo respeito ao autor, que o texto da petição inicial é disperso e vago”, afirmou o juiz. “Corre-se o risco, ainda, do juízo compreender errado algum ponto alegado e, com isto, prejudicar um julgamento fiel aos fatos ocorridos e ao direito aplicável”, alertou.
“As descrições das condutas de Justiniano Barbosa Vavas, de Josceli Roberto Gomes Pereira, de Marcus Vinícius Rossetini de Andrade Costa, de José Roberto Scarpin Ramos, de Luiz Bonazza e de Eduardo Navarro Bonazza, no geral, são superficiais e inconclusivas. Suas responsabilidades acabam sendo apontadas pelo autor a partir das circunstâncias flagradas naquelas interceptações, sem um maior cuidado na exposição da tese acusatória. Não há uma descrição de fatos em detalhes e nem amparados em elementos concretos da investigação”, lamentou o juiz.
“Ora, pode até ser verdade, mas é preciso mais dados para acusá-los de improbidade administrativa. O que eles fizeram nos respectivos certames? Quais são objetivamente os certames questionados? Tem documentos assinados por eles? Qual era o papel deles na licitação? A propina se referia a esta licitação ou às outras? A resposta a estas perguntas deve estar na petição inicial para tê-la por viável”, afirmou.
“Já os senhores Luiz Bonaza e Eduardo Bonaza estão na ação porque são funcionários da NEO LINE e tiveram uma movimentação financeira suspeita, com saques fragmentados em dinheiro ao longo do tempo, somando mais de um milhão de reais. A inicial, entretanto, não fala que eles fossem responsáveis por entregar propina aos agentes públicos e, neste caso, é preciso dizer exatamente isto com todas as letras. Se for uma dedução diante de um contexto, este contexto precisa ser descrito e argumentado”, pontuou, sobre as falhas na denúncia em comprovar o suposto pagamento de propina.
“Pergunta-se: O Ministério Público sustenta que eles entregavam propinas? Quem recebia estas propinas? Como o Ministério Público vai provar a distribuição da propina através dos dois? Com testemunha? Com gravação das câmeras dos bancos? Com um cruzamento de dados entre datas e horários dos saques e dos respectivos depósitos nas contas dos agentes públicos? A inicial não esclarece isto e, como já foi dito, não afirma que eles distribuíam propina, mas apenas alega que eles tinham movimentações financeiras atípicas”, discorreu, dando uma aula ao Gaeco sobre investigação dos crimes de corrupção.
Esta falha do MPE pode dar gás para a defesa de outros acusados por corrupção. Aliás, Mato Grosso do Sul vem se notabilizando pela impunidade nos escândalos de desvios de dinheiro público, seja pela falha na investigação ou morosidade do Poder Judiciário.
Matéria editada às 7h45 do dia 7 de fevereiro para fazer correção. A assessoria do MPE informou que a denúncia não foi protocolada pelo Gaeco, que deu apoio à 29ª Promotoria do Patrimônio Público, comandada por Adriano Lobo Viana de Resende, que teria protocolado a denúncia criticada na sentença pelo juiz.