Em artigo, o juiz federal aposentado Odilon de Oliveira fala sobre a polêmica causada pela prisão após sentença condenatória em segunda instância. O grande problema, conforme o magistrado, é a burocracia da Justiça brasileira, que conta com quatro instâncias, e a morosidade do processo, que pode levar décadas.
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Ele relata um caso de um jovem que condenou à prisão. Quando houve a sentença transitou em julgado, o réu já tinha sido ordenado padre. “A solução mais adequada, a meu ver, está na eliminação da catalepsia do Judiciário”, conclui.
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Confira o artigo:
“Prisão em segunda instância”
Odilon de Oliveira (*)
A Constituição Federal garante que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esta norma deveria dizer “definitivamente” culpado, e não apenas culpado.
Constituição Federal garante que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esta norma deveria dizer “definitivamente” culpado, e não apenas culpado.
Ora, “culpado” o réu é desde a sentença condenatória de primeira instância. O condenado já chega na segunda instância com o carimbo de “culpado”. Juiz nenhum condena alguém sem considerá-lo culpado ou não inocente.
Em outras palavras, a justiça penal não condena o réu considerando-o inocente. Neste caso, o réu é absolvido (art. 386 do Código de Processo Penal). Pelo contrário, a própria Constituição Federal obriga o juiz a dizer se o acusado é culpado ou inocente, condenando-o ou absolvendo-o.
“Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, …” (art. 93, IX). O art. 381 do CPP, de modo impositivo, relaciona os requisitos que uma sentença condenatória deve conter, dentre eles “a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão”.
Ora, tudo isto para dizer que o réu, mesmo condenado, é inocente? Como condenar sem considerá-lo culpado? “Eu o condeno, mas você continua sendo inocente”, diria o juiz ao réu. Um enorme contrassenso.
O correto, então, como impõem a Constituição (art. 93, IX) e o Código de Processo Penal, é: “eu o condeno porque você é culpado”, e pronto. Por aí já se vê que o texto constitucional “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, feito às pressas, pensando o legislador em proteger bandidos, foi muito mal redigido.
Deu no que deu, sobretudo nessa insegurança jurídica criada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que, em 2016, decidiu de um jeito, admitindo prisão automática logo após o julgamento em segunda instância, e, agora, com diferença de um voto, decide ao contrário. Os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que votaram pela não prisão, logo irão se aposentar por idade.
A situação poderá voltar ao que era antes se seus sucessores vierem a entender diferente. Isto será perfeitamente possível, como fácil foi a mudança repentina de 2016 para 2019, se essa polêmica regra constitucional não for alterada.
Mas qual é o verdadeiro “culpado” ou “inocente”, na origem, por tamanha polêmica? O Supremo lavou as mãos e depositou a balança na mesa do Congresso Nacional. Este, o Congresso, olhando para o povo e o povo olhando para ele, terá, diga-se assim, e logo, que “criar um aplicativo” para solucionar a questão. O advogado, que recorre e recorre, não tem culpa alguma, pois, com base na própria Constituição Federal, cumpre o seu dever buscando o melhor para seu constituinte, dentro dos parâmetros da mais ampla defesa. Sem advogado, não haveria justiça e, sim, arbítrio.
No meu entendimento, com a vivência de já haver defendido (advogado), acusado (promotor de justiça) e julgado durante 35 anos, a regra constitucional da presunção de inocência até o trânsito em julgado conviveria pacificamente com o desejo da sociedade. Para tanto, bastaria que o Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, andasse rapidamente.
Um processo penal, principalmente quando se trata de acusados econômica e/ou politicamente poderosos, leva uma eternidade para percorrer os quatro degraus da justiça brasileira. Há muitos anos, condenei um jovem, em liberdade, cujo processo demorou dez anos até percorrer todas essas instâncias. Quando voltou do Supremo, para a execução da pena, o condenado tinha sido ordenado padre. Obviamente, sob o ponto de vista da ressocialização, ele não era mais a mesma pessoa.
Os juízes, desembargadores, ministros e servidores são vagarosos, trabalham pouco? Claro que não. A sonolência é da máquina, do modelo de justiça adotado no Brasil. Para que quatro instâncias? Por que tanta burocracia, quando vivemos na era da globalização, onde se percorre o mundo em fração de segundos?
Essa morosidade do Judiciário, agravada pela lentidão do Congresso Nacional e pela inadequação de muitas leis à realidade brasileira, é a grande culpada pelo vasto compasso de espera entre a data de um crime e o “trânsito em julgado”, condição para o início do cumprimento da pena aplicada. Se não houve prescrição, é claro.
A solução mais adequada, a meu ver, está na eliminação da catalepsia do Judiciário.
(*) Juiz federal aposentado e advogado