Palco do maior escândalo de corrupção na legislatura anterior, a Câmara Municipal de Campo Grande arquivou projetos contra a corrupção nesta quinta-feira (18). A postura dos parlamentares revoltou o autor das propostas, André Salineiro (PSDB). Furioso, ele afirmou que sente “vergonha de ser vereador” e rasgou os projetos em plenário.
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O gesto dos vereadores campo-grandenses não deve ter causado indignação apenas no parlamentar tucano e sinaliza que o comportamento não mudou em relação a legislatura anterior, quando quatro parlamentares foram cassados e vários foram conduzidos coercitivamente para depor pelo Gaeco na Operação Coffee Break.
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Policial federal e estreante na política, Salineiro propôs uma espécie de pacote contra a corrupção na Capital. O primeiro projeto dava preferência para a empresa que adotasse medidas de combate à corrupção em caso de empate nas licitações públicas realizadas pelo município.
O segundo previa prêmio de 10% para pessoas que ajudassem a desvendar esquemas de corrupção. Na prática, em caso de dinheiro recuperado pelo poder público, o autor da denúncia ficaria com um décimo do montante. A terceira proposta do tucano previa incentivo para cervejeiros e micro cervejarias artesanais.
A Comissão de Constituição e Justiça considerou os três projetos inconstitucionais e determinou o arquivamento. Como o placar não foi unânime, o parecer foi submetido ao plenário.
No esforço para manter as propostas, Salineiro destacou que medidas semelhantes já foram implantadas em Campinas e Valinhos, em São Paulo, e Lucas do Rio Verde (MT). Ele citou que medidas semelhantes são adotadas há mais de três décadas nos Estados Unidos e Inglaterra.
O parlamentar destacou que há jurisprudência a respeito do assunto no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Sobre os cervejeiros, ele destacou a importância do incentivo para a geração de renda e empregos na Capital.
No último esforço para salvar os projetos, o tucano pediu votação nominal – em que cada vereador se manifesta no microfone contra e a favor o projeto. O plenário rejeitou a medida e a votação foi simbólica (só os contrários ergueram as mãos).
Apenas cinco dos 29 vereadores manifestaram-se a favor do pacote contra corrupção proposto pelo tucano: o próprio Salineiro, Vinícius de Siqueira (DEM), Enfermeira Cida (PROS), Dr. Loester Nunes (MDB) e Dharleng Campos (PP). Outros dois se manifestaram, mas apenas contra o arquivamento dos incentivos aos cervejeiros, Enfermeiro Fritz (PSD) e Betinho (PRB).
O resultado irritou o tucano. “Sinto vergonha por ser vereador”, desabafou no microfone, antes de criticar os colegas de forma contundente. “Até contra votação nominal?”, espantou-se.
“Fomos eleitos para representar a população lá fora e não (para defender) interesses próprios”, acusou. Ele disse que o plenário jogava por terra todo o trabalho da sua equipe ao valorizar o parecer da CCJ e ignorar até decisões de cortes superiores.
“Preferiram matar pela raiz”, lamentou-se, em entrevista no início da noite de hoje. O tucano ficou inconformado com a estratégia do parlamento de nem ao menos se dar ao trabalho de discutir medidas contra a corrupção.
Réu na Operação Coffee Break, por improbidade administrativa e corrupção, o presidente da Câmara, João Rocha (PSDB), cobrou respeito de Salineiro. “Sinto muito, mas gostaria que vossa excelência não medisse os colegas pela sua régua. Aqui é um colegiado onde maioria se manifesta de forma livre, de acordo com o entendimento de cada um”, alertou.
Condenado por matar uma vendedora em acidente de trânsito, o vereador Ayrton Araújo (PT) também não gostou do puxão de orelhas. “É uma infelicidade colocar todo mundo em um balaio só. Tem que respeitar, não tem que pegar a régua dele e medir todos. Trabalhamos dentro de um regimento, somos escravos do regimento”, frisou o petista, que foi o responsável pela votação simbólica.
Presidente municipal do PSDB, o vereador João César Matogrosso, engrossou o coro contra Salineiro. “Se o colega tem vergonha de ser vereador, quero lembrar que existem suplentes loucos pela vaga de Vossa Excelência. Posso até pedir para procurarem o senhor”, completou.
Não é a primeira vez que os vereadores vão na contramão da sociedade. Em 2017, eles aprovaram a taxa do lixo, que elevou em até 600% o valor da taxa de limpeza pública.
Neste ano, os parlamentares aprovaram o projeto que encarece o transporte de passageiros por meio de aplicativos, como Uber, Urban, 99, entre outros. Além disso, rejeitaram denúncias envolvendo o Consórcio Guaicurus, que cobra caro por um transporte coletivo ruim.
O vereador Dr. Eduardo Cury não participou da votação de quinta-feira. Conforme a assessoria, ele era favorável aos projetos contra a corrupção, mas se ausentou antes da votação em decorrência de “tratamento médico”.