Só a certeza da impunidade pode explicar o novo escândalo, que sacode o município de Água Clara, a 193 quilômetros da Capital. Dois vereadores viraram réus pelo desvio e fraude em licitações da Câmara Municipal por cinco anos. Para ocultar o dinheiro desviado, os réus usaram contas bancárias da esposa, filha, nora, genro, irmão e assessor. E acredite que o Ministério Público Estadual não teve dificuldade em rastrear, porque os pagamentos eram feitos por cheques.
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A ação penal por corrupção, fraudes em licitações, lavagem de dinheiro e organização criminosa foi protocolada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial na Repressão do Crime Organizado). A juíza Camila de Melo Mattioli Gusmão Serra Figueiredo, da Vara Única de Água Clara, aceitou a denúncia no dia 6 deste mês.
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Os réus são os vereadores Vicente Amaro de Souza Neto, 62 anos, e o genro, Saylon Cristiano de Moraes, 38, ambos do PDT, o ex-vereador Valdeir Pedro de Carvalho, o Biroca, 61, do MDB, o contador Walter Antônio, e sua filha, a corretora de seguro, Marcele Gonçalves Antônio, 43. A nora de Vicente, Milena Lima Dias Ottoni de Souza, 39, também vai responder pelos crimes.
Além da condenação a prisão, os promotores Tiago Di Giulio Freire e Thalys Franklyn de Souza, pedem a devolução de R$ 270 mil corrigidos para ressarcir o montante desviado e o pagamento de danos morais de R$ 1 milhão.
Para desviar dinheiro da Câmara, onde é influente e poderoso desde 2001, Vicente contratou a empresa Famma Assessoria e Consultoria SS, em nome de Marcele. Os contratos eram feitos por valor inferior a R$ 80 mil, o que permitia a modalidade carta convite. Para simular a concorrência, outras três empresas, que funcionavam no mesmo endereço em Campo Grande, encaminhavam propostas.
O promotores flagraram várias ilegalidades no processo licitatório. Em 2007, em licitação relâmpago, a Câmara fez todo o processo em 15 dias: elaborou o edital, fez a dotação orçamentária, enviou convites pelo Correio, recebeu as propostas, elaborou parecer jurídico, homologou e assinou o contrato. A pressa foi tanta que as propostas foram julgadas no dia 17, mas, pasmem, só foram entregues nos dias 19 e 22 de janeiro.
Entre 2007 e 2012, o processo licitatório era conduzido por Saylon e Milena, respectivamente, genro e nora de Vicente, que tem no município poder semelhante a um eterno deputado estadual sul-mato-grossense.
O escândalo é muito pior. A Famma era contratada para realizar o serviço feito pelo diretor de contabilidade da Câmara, Walter Antônio, pai de Marcelo e acusado de ser sócio oculto da Famma. A empresa lhe dava procuração para representá-la.
Para os promotores, não há dúvidas de que havia uma organização criminosa voltada para o desvio de recursos públicos do legislativo municipal de Água Clara.
O dinheiro repassado à consultoria voltava para os vereadores por meio de depósitos em cheques nas contas de familiares.
A empresa de João de Melo Sobrinho, assessor de Vicente, recebeu R$ 31,1 mil por meio de sete cheques. Em depoimento aos promotores, ele afirmou que não conhecia o contador da Câmara nem tinha qualquer relação comercial com a Famma.
O irmão do vereador, Atos Batista de Souza, foi o beneficiário de R$ 156,2 mil, repassados por meio de 37 cheques. Esposa de Saylon e filha, Cristiane Ottoni de Souza Morais teve o repasse de R$ 8,4 mil. A esposa, Eunice Ottoni de Souza, e o filho, Roney Ottoni de Souza, também tiveram depósitos para ocultar o dinheiro desviado.
Quando era presidente do legislativo, em 2010, Biroca recebeu dois cheques por meio de contas da esposa e da filha, conforme a denúncia. O total repassado foi de R$ 10 mil. Ele não se reelegeu em 2016 e ficou como suplente.
Assim como ocorre o caso envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), a movimentação financeira suspeita foi detectada pelo Coaf (Conselho de Controle da Atividade Financeira). O valor movimentado, corrigido pela inflação desde 2012, soma R$ 416 mil, quase meio milhão de reais.
Não é a primeira polêmica envolvendo Vicente. No ano passado, ele foi alvo da Operação Fantasma. Na época, a Justiça o afastou do cargo de presidente da Câmara por pagar salário de R$ 7,3 mil a uma funcionária fantasma.
MPE aponta quase meio milhão de reais desviados do legislativo em cinco anos, considerando a correção pela inflação (Foto: Arquivo)