Auditoria da CGU (Controladoria Geral da União) aponta que a Santa Casa de Campo Grande não cumpre algumas metas e ainda recebe mais que o dobro da produção executada. Em dois anos, o repasse irregular somou R$ 238,5 milhões. Além de estarrecedor, o relatório conclui que o hospital é ameaça ao SUS (Sistema Único de Saúde) por concentrar os repasses e oferta de vagas para consultas ambulatoriais e cirurgias eletivas ser baixa e não atender a demanda.
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A unidade administrada pela Associação Beneficente concentra 55% dos repasses feitos pelo Ministério da Saúde para Campo Grande. O mais grave, sem dar a contrapartida. O SUS responde por mais de 80% da receita do maior hospital de Mato Grosso do Sul.
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De acordo com a auditoria, em 2016, a produção do hospital somou R$ 84,396 milhões, mas o montante repassado pela Prefeitura Municipal de Campo Grande, último ano de Alcides Bernal (PP), somou R$ 208,5 milhões. O total repassado foi 147% acima da produção da instituição.
O mesmo ocorreu em 2017, primeiro ano da gestão de Marquinhos Trad (PSD). Na época, o valor devido pela produção de 791,6 mil internações, consultas e exames era de R$ 85,9 milhões. No entanto, mais uma vez, o município repassou R$ 200,4 milhões, 134,7% acima do montante produzido.
Em dois anos, o hospital recebeu R$ 238,5 milhões além do que tinha direito. Esta fortuna seria suficiente para manter o Hospital do Trauma, que funciona com 51% da capacidade e mantém 49 leitos fechados por falta de repasse, por aproximadamente dois anos.
O maior hospital em números
2016 | |
Produção | R$ 84,396 mihões |
Repasse | R$ 208,535 milhões |
A mais | R$ 124,1 milhões |
2017 | |
Produção | R$ 85,998 milhões |
Repasse | R$ 200,4 milhões |
A mais | R$ 114,4 milhões |
“A principal alegação para essa discrepância é a falta de atualização dos valores dos procedimentos pelo Ministério da Saúde, de forma que, para compensar essa situação os gestores municipais reiteradamente repassam mais recursos sem o correspondente aumento no quantitativo de procedimentos realizados, para fins de cobrir o alegado aumento no custo dos serviços prestados pela Santa Casa”, esclarecem os auditores, que fizeram a fiscalização entre os dias 4 de dezembro de 2017 e 11 de maio do ano passado.
Na prática, a Santa Casa não tem motivos para reclamar da defasagem na tabela do SUS, porque os gestores deram um “jeitinho” de acabar com a queixa.
“Por outro lado, a extrema dependência do atendimento de emergência e urgência da Capital da Santa Casa é extremamente danoso para a rede pública. “Por conseguinte, também se aumenta a dependência da Saúde de Campo Grande para com a Santa Casa, pois a medida em que os recursos majorados são repassados à Santa Casa, tem por consequência a escassez de recursos para a contratualização com outros prestadores de serviços de saúde de modo complementar, inibindo a participação destes no atendimento à população de Campo Grande/MS”, anotam os auditores da CGU.
Em seguida, o órgão federal alerta para o risco para a rede pública. “Ressalta-se que o caráter não complementar da participação da Santa Casa no âmbito do SUS no município de Campo Grande, além de inconstitucional, representa risco à autonomia do sistema local, gerando dependência operacional dessa instituição, que dispõe de ferramentas para influenciar as metas pactuadas e também o quantitativo de valores que lhe são transferidos mensalmente”, alertam.
A Santa Casa levou de 47% a 53% do total destinado pelo SUS aos hospitais de Campo Grande. Em 2017, a entidade ficou com R$ 194,8 milhões, enquanto o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul Rosa Pedrossian só teve R$ 54,2 milhões, enquanto o Hospital Universitário teve ainda menos, R$ 15,7 milhões.
Além de receber mais do que o dobro do produzido, a Santa Casa não cumpriu metas em alguns subgrupos. Do total de cirurgias do aparelho circulatório, o hospital só cumpriu 58% da meta. A situação é pior ainda nos procedimentos cirúrgicos no aparelho geniturinário, com 42%.
A conclusão da CGU é de que ao elevar o valor repassado à Santa Casa, o município subestima a capacidade de produção e privilegia em relação aos outros prestadores de serviço que não possuem o mesmo tratamento da desatualização da tabela do SUS.
Os auditores da Controladoria Geral da União apresentam outra visão sobre o maior hospital do Estado, considerando-se que os auditores do município não encontram irregularidades na gestão de Esacheu Nascimento, que era presidente regional do MDB antes de assumir o comando da Associação Beneficente.
O relatório joga luz sobre a caótica situação da rede hospitalar de Campo Grande, onde pacientes agonizam em leitos improvisados em postos de saúde. Só na semana passada, 73 doentes estavam nesta situação de calamidade pública, mas, que infelizmente, não sensibiliza os políticos, acostumados com a tragédia brasileira.
Hospital nega irregularidade e atribui aumento à portaria de Ministério da Saúde
A Santa Casa de Campo Grande nega qualquer irregularidade no repasse feito pelo SUS em 2016 e 2017. Na defesa para contestar o relatório da CGU, a entidade apontou que o aumento ocorreu conforme previsto em portaria do Ministério da Saúde, de 2006, para compensar a desatualização da tabela do SUS.
Além disso, conforme a nota, o recurso excedente representa incentivos à qualificação da gestão hospitalar, ao custeio das redes temáticas, ao ensino e à pesquisa e integração do SUS.
“Relativamente ao cumprimento das metas pactuadas em alguns subgrupos, cuja execução está sendo compensada pela execução a maior de outros”, garante.
Sobre o risco ao SUSpor concentrar 55% dos recursos, a Santa Casa argumenta que a contratação dos serviços é feita pela Secretaria Municipal de Saúde de acordo com a demanda e da série histórica de produção.
“A Santa Casa é como a maioria dos hospitais do país, privada, porém sua utilização se dá majoritariamente através do SUS reforçando o caráter articulado mas não dominante junto ao setor público, refletindo por tanto, o caráter complementar de oferta de serviços ao SUS”, frisa.