Fracassou a tentativa de legalizar a construção de seis postos de combustíveis em canteiros e áreas públicas de Campo Grande, uma polêmica iniciada em 1997. A Justiça considerou inconstitucional lei de 2010 e anulou os contratos, que garantem faturamento anual superior a R$ 30 milhões. Até parece reprise de novela, mas envolve os limites da utilização de bens de uso comum do povo por particulares.
Em 1997, na gestão de André Puccinelli (MDB), a prefeitura desafetou cinco áreas próprias e as repassou para o Autódromo Internacional de Campo Grande, que as sublocou para a Petrobras. A companhia outorgou a exploração para cinco donos de postos de combustíveis.
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Em 2006, a Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos declarou inconstitucional da Lei 3.401/1997 e nulos os contratos para a exploração das áreas públicas. A prefeitura e a Petrobras recorreram e o Tribunal de Justiça reviu a decisão e considerou a lei constitucional. O MPE (Ministério Público Estadual) recorreu e os recursos seguem pendentes.
Em 2010, para por fim à polêmica, Nelsinho Trad (PTB) sancionou a Lei 4.848, que previa a desafetação, pela segunda vez, das cinco áreas de uso de comum citadas na primeira lei e mais uma sexta. A Ipiranga Produtos de Petróleo acabou ficando com o direito e os repassou para terceiros.
Dos seis postos instalados, quatro informaram à Justiça que faturam R$ 26,7 milhões por ano e geram 42 empregos diretos.
O MPE ingressou com ação contra a lei em 12 de junho de 2015. No dia 4 do mês passado, o juiz Henry Marcel Batista de Arruda, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, considerou, mediante sentença, a lei inconstitucional e declarou nulos os seis contratos.
“No caso concreto, a autorização legislativa da concessão de uso das seis áreas de uso comum do povo, por se tratarem de praças e canteiros centrais, discriminadas no Anexo I, da Lei municipal nº 4.848/2010 e, portanto, bem de uso comum, não foi precedida de prévia e expressa desafetação, o que é suficiente para reconhecimento da nulidade da contratação efetuada pela municipalidade com a requerida IPIRANGA S.A., e todos dele derivados”, afirma o magistrado.
Para a Justiça, a prefeitura não realizou estudos de impacto nem o fluxo de veículos nas regiões para embasar o pedido de desafetação da áreas. “Não há notícia, outrossim, que o MUNICÍPIO DE CAMPOGRANDE tenha efetuado estudos prévios para apurar o fluxo de veículos nas vias em que localizadas as áreas públicas cedidas, a quantidade de postos de combustíveis e mesmo de veículos na região na qual situadas aludidas áreas, de modo a justificar a necessidade da instalação dos empreendimentos das demais requeridas”, justifica.
“Em tal situação, resulta evidente que a desafetação das seis áreas do anexo da Lei municipal nº 4.848/2010 não apenas carece de demonstração de sua efetiva necessidade, como resta patente a absoluta falta de justificativa concreta para a concessão de seu uso para a iniciativa particular, o que acarreta evidentemente o reconhecimento da nulidade do contrato efetuado pela municipalidade com a empresa IPIRANGA S.A. e, por consequência, de todos dele derivados”, conclui Marcel Henry, em despacho publicado na quinta-feira no Diário da Justiça.
Na sentença, o juiz assinala que o então prefeito errou ao permitir a exploração privada de uma área destinada para o uso comum. “O MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE, ademais, ao permitir a edificação de empreendimentos privados nas praças, assim como nos canteiros das vias públicas, em concurso com os demais réus, está corrompendo a finalidade natural de áreas que, de outra forma, seriam destinadas à arborização e formação de áreas verdes que, ainda que não se destinassem ao lazer,evidentemente que prestar-se-iam para amenizar o clima e para promover a infiltração de água no solo, contribuindo para evitar enchentes”, observa.
A prefeitura, a Ipiranga e os postos poderão recorrer da sentença. No entanto, é mais um capítulo sobre a polêmica utilização de áreas que deveriam ser destinadas para uso da população, mas, por critério do prefeito da ocasião, acabam nas mãos de particulares.
O pior é que a cláusula do contrato é inútil, porque prevê o retorno da área para o município em 20 anos. A prefeitura não pode explorar posto de combustível, como reconhece em manifestação nos autos.
Com a nova sentença, o MPE e prefeitura reacendem a guerra jurídica sobre a legalidade dos postos de combustíveis instalados em canteiros e áreas destinadas para praças públicas.