Em artigo, o jornalista Alan Kaká critica a cobertura das eleições deste ano pelos jornais brasileiros. Em meio ao pleito marcado pelo debate acirrado e dominado pelas mentiras, as famosas fakenews, a cobertura jornalística isenta poderia fazer a diferença para ajudar a população encontrar a melhor proposta para o Estado e o País.
O jornalista defende que os jornais assumam abertamente em editoriais candidato de preferência, repetindo um costume nos Estados Unidos, e não recorram ao apoio velado e por meio de cobertura de guerrilha para destruir a imagem do adversário.
Confira o artigo na íntegra:
O jornalismo não precisa de isenção, mas de “neutralidade axiológica”
Alan Kaká *
Recorro ao sociólogo e economista alemão da Escola de Frankfurt Max Weber e de seus estudos sobre ética e observação científica para fazer uma crítica ao jornalismo praticado por aqui (entendendo esse “por aqui” como algo não só regional, mas Tupiniquim/Latino-americano de um modo geral)
Antes de mais nada tenho que dizer que atuei pouco tempo em redações e também que não tive uma vida acadêmica capaz de me apresentar para esse debate como um estudioso do tema. Mas ao contrário de ser um demérito, neste caso tanto minha atuação política quanto como assessor de comunicação me dão uma visão clara sobre o assunto: a falsa imparcialidade jornalística.
Quando entrei para o curso de jornalismo há 12 anos essa questão foi levantada logo nas primeiras aulas e de lá para cá minha conclusão pessoal empírica é que tal isenção não existe.
Lemos o mundo a partir de nossas experiências. Não é o estudo da técnica nem o exercício do jornalismo – como não é o método científico – que nos transformará em lentes Zeiss, Sigma ou Laica, de máquina de registro da realidade como ela é e, portanto da Verdade com V maiúsculo. Platônica.
Ao contrário. Weber observa que há a necessidade daquele que investiga declarar previamente seus valores, de modo que ao fazê-lo o investigador não perde a credibilidade da isenção que é ilusória, mas de antemão evidencia as distorções de sua visão, de tal forma que ganha um novo tipo de crédito. Ao ato Weber chamou de “neutralidade axiológica”.
Transpor para o jornalismo esse instrumento científico não é novidade mundo a fora. Um dos mais respeitados veículos de comunicação do mundo, o New York Times, por exemplo, declarou, em editorial de setembro de 2016, seu apoio a então candidata Hillary Clinton à presidência americana. Vejam que isto não é um fato isolado. O mesmo jornal já havia apoiado Obama. O Washington Post também apoiou os dois em suas candidaturas. Trump, por sua vez, teve apoio declarado no jornal da Ku Klux Klan (sociedade secreta terrorista segregacionista norte americana). Trump negou tal apoio.
É importante para a democracia que os veículos não só declarem seus antagonismos, como já o fazem de forma mais ou menos velada, mas que digam quais são suas preferências eleitorais.
A “neutralidade axiológica” de declarar, não apenas dos próprios valores, da forma que defende Weber como solução metodológica, mas a tomada de decisão política a que estes valores ensejam, torna possível ai leitor entender de fato o espectro político em que cada veículo está inserido.
Voltando a Trump, o escândalo do uso de dados hipersegmentados dos americanos nas redes sociais tem vários fatores peculiares. Fora a forma criminosa como a campanha de Trump obteve estes imensos bancos de dados, uma das formas como foram utilizados chama à atenção: não em apoio ao candidato, nem pretendendo reverter votos. O intuito era fazer com que cidadãos das bases eleitorais históricas do partido de Hillary simplesmente desistissem de participar do processo eleitoral por deixar de entender a candidata como alguém que apoiava de forma incisiva suas demandas e bandeiras.
O que isso tem a ver com a tomada de decisão dos veículos em deixar de utilizar o falso discurso da isenção?
Assim como nos EUA, as eleições de 2014 no Brasil foram marcadas por um uso intenso das redes sociais pelos diversos grupos políticos. O expediente do uso de notícias falsas e enviesadas, bem como de perfis fake e robôs marcaram de forma suja e decisiva os dois turnos do pleito.
Porém, ao contrário dos jornais estadunidenses, os nossos veículos não tomaram partido declaradamente, mas de forma velada, subterrânea e marginal, com ataques coordenados – em conluio com as campanhas de seus candidatos – contra adversários. Este ano já está sendo assim e promete ser ainda pior.
A forma como caminhamos para as eleições de outubro demonstra que teremos um dos cenários mais pulverizados de candidaturas desde 1989, mas também uma eleição que será notadamente marcada pela ausência do diálogo e de abertura para o debate de ideias. Não teremos torcidas uniformizadas, mas hooligans.
Restará ao eleitor indeciso (maioria segundo todas as pesquisas) se pautar, não apenas pelas redes sociais, que seriam a grande ágora do debate de ideias. Estas estão com sua capacidade de ambientes democráticos comprometida, devido ao patrocínio de conteúdos legalizados pela mini-reforma eleitoral, mas principalmente as bolhas de assuntos e de relacionamento e o uso criminoso de perfis fakes e boots, além das já conhecidas Fake News.
Estima-se que mais de 90% dos conteúdos mais compartilhados na eleição estadunidense tenham sido de informações falsas ou em fatos deliberadamente distorcidos (a chamada pós-verdade).
Caberia, portanto, ao jornalismo e aos veículos o papel de lançar luz neste ambiente conturbado e confuso, não com a falsa isenção que pasteurizou as linhas editoriais da maioria dos veículos. Transformaram-se em uníssono lamurioso.
Seria preciso coragem para admitir de que lado cada um samba, declarando abertamente em seus editoriais os seus valores, projetos e candidaturas que apoiam. Seria uma demonstração não só de respeito ao público, mas também a nossa democracia tão fragilizada.
(*) Alan Kaká – Jornalista e sócio da Crie Valor Gestão e Marketing, empresa especializada em marketing político digital.
Alan Kaká é jornalista formado pela UFMS