Guerra nos tribunais, comandada pelas melhores e mais caras bancas de advocacia do País, travou a Operação Lama Asfáltica, maior ação contra a corrupção na história de Mato Grosso do Sul, que completou três anos nesta segunda-feira. Neste período, a empresa símbolo da operação, a Proteco, do poderosíssimo empresário João Amorim, perdeu contratos milionários com o poder público e viu o repasse anual despencar de R$ 142,2 milhões para uma mixaria neste ano.
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Com cinco fases deflagradas pela Polícia Federal, a operação atingiu o ponto alto com a decretação da prisão preventiva do ex-governador André Puccinelli (MDB), em 14 de novembro do ano passado. Acusado de ser um dos chefes da suposta organização criminosa, o emedebista foi beneficiado pelo habeas corpus concedido no dia seguinte, feriado de Proclamação da República, pelo desembargador Paulo Fontes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que estava de folga.
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O emedebista já tinha sofrido o desgaste de ser obrigado a colocar tornozeleira eletrônica mediante o pagamento de fiança de R$ 1 milhão em maio de 2017, na Operação Máquinas de Lama. Na ocasião, o pré-candidato a governador só conseguiu se livrar do monitoramento eletrônico graças a Fontes, que permitiu a retirada do dinheiro dos bens bloqueados para quitar a fiança.
Em meio a uma batalha épica, de revogação de habeas corpus e concessão de habeas corpus, o Ministério Público Federal teve uma vitória importante ao conseguir a decretação da prisão preventiva de outros acusados de chefiar o grupo, o ex-deputado federal Edson Giroto e empresário João Amorim. Eles estão presos há dois meses e dependem do julgamento do Pleno Virtual do Supremo Tribunal Federal, que vai ocorrer de 3 a 9 de agosto, para deixar a prisão.
A eventual manutenção da prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente da 1ª Turma no STF, pode elevar a pressão sobre os integrantes da suposta organização criminosa. Amorim e o ex-deputado Wilson Roberto Mariano de Oliveira, o Beto Mariano, são os mais cotados a fazer delação premiada.
Além de estadia na cela 17 do Centro de Triagem, eles estão com as duas filhas, apontadas como estratégicas no suposto esquema, com prisão preventiva decretada. A empresária Ana Paula Amorim Dolzan e a médica Mariane Mariano de Oliveira Dornellas só estão em casa porque possuem filhos menores de 12 anos.
A manutenção da prisão do grupo, são oito pessoas no total, também vai forçar a Justiça Federal, com histórico de gastar mais de 10 anos para julgar uma ação, a apressar a conclusão das ações penais.
Com alguns réus jurando inocência e sonhando até em retornar ao comando do Governo do Estado, parte da sociedade fica indignada com a impunidade que impera em Mato Grosso do Sul.
Entretanto, nem tudo são flores para os investigados na Lama Asfáltica. Pivô e símbolo da operação, a Proteco Construções e Comércio ficou na lamúria sem os contratos milionários com o poder público.
O ápice ocorreu em 2014, último ano da gestão de André Puccinelli, quando foram pagos R$ 142,2 milhões à empreiteira de João Amorim, conforme o Portal da Transparência do Estado. O volume repassado representa acréscimo de 428% em relação a 2012, quando a construtora recebeu “somente” R$ 26,9 milhões.
De 2012 a 2014, a Proteco recebeu R$ 250,899 milhões da gestão emedebista. O volume despencou para R$ 4,999 milhões no primeiro ano da administração de Reinaldo Azambuja (PSDB).
Com a deflagração da Operação Lama Asfáltica, que apontou os crimes cometidos para beneficiar a empresar de João Amorim, os repasses sumiram. Neste ano, o Governo estadual só repassou R$ 259,1 mil em decorrência de ações judiciais para pagar encargos trabalhistas.
Até o momento, a Polícia Federal apontou prejuízo de R$ 315 milhões aos cofres públicos. O dinheiro seria suficiente para concluir o Aquário do Pantanal, que precisa de R$ 38 milhões, e manter o Hospital do Trauma em funcionamento por dois anos. A unidade de saúde foi inaugurada em abril deste ano para ser usada na campanha eleitoral, mas ainda não entrou em funcionamento.
Com os bens bloqueados em três operações (Fazendas de Lama, Máquinas de Lama e Papiros de Lama), que totalizam R$ 303 milhões, os investigados começam a ser alvos de ações de cobrança por atraso no pagamento de condomínio e aluguel.
Outro avanço da Lama Asfáltica foi em obter a primeira delação premiada no Estado, do empresário Ivanildo da Cunha Miranda, que serviu de base para a última fase, a Operação Papiros de Lama. Ele entregou documentos e forneceu detalhes de como era o pagamento de propina para o ex-governador André Puccinelli.
O depoimento do empresário fez a Lama Asfáltica cruzar com outro escândalo, a delação premiada da JBS, de dimensões continentais. Aliás, graças à investigação sul-mato-grossense, a Polícia Federal desmascarou o ex-procurador da República, Marcelo Miller. Apreensão do telefone celular do empresário Wesley Batista, então dono da JBS, mostrou que o então procurador orientou os donos da empresa a firmar a delação premiada.
Graças a Lama Asfáltica, o MPF decidiu suspender os benefícios previstos na delação da JBS, que previa o perdão judicial antecipado aos delatores.
Outro problema é a morosidade da Justiça Federal. Desde o início do escândalo, os processos foram distribuídos a, pelo menos, oito juízes diferentes. Somente em 26 de março deste ano, com a definição do substitutito do juiz federal Odilon de Oliveira, que se aposentou, a unidade voltou a ter um juiz fixo.
O juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, que ganhou fama internacional ao manter a ação contra o atacante Neymar, começou a sentir que em Mato Grosso do Sul o jogo não é para amadores. Além da pressão dos advogados, que apresentam uma infinidade de recursos, ele sofre com a pressão do TRF3. Na semana passada, o desembargador Paulo Fontes saiu em defesa dos réus e cobrou o magistrado, sob pena de denunciá-lo à corregedoria, para apresentar os documentos solicitados pela defesa.
Só para o cidadão ter uma ideia. João Amorim cobra cópia integral do inquérito 398/2012, em que a irmã e deputada estadual Antonieta Amorim (MDB), é investigada por suposta corrupção na licitação do lixo, realizada no mandato do ex-cunhado, o ex-prefeito Nelsinho Trad (PTB). Já a parlamentar quer ter acesso aos inquéritos contra o irmão. O advogado de ambos é o mesmo, Alberto Zacharias Toron.
Em meio a guerra de recursos, as investigações continuam. O MPF apresentou a última denúncia em dezembro do ano passado. Na ocasião, o procurador David Macucci Pracucho, enumerou que novas ações seriam protocoladas, porque já haviam indícios de irregularidades em obras de manutenção de vias não pavimentadas, saneamento básico e de pavimentação de rodovias, como a MS-040.
A demora não prejudica apenas a sociedade. É ruim para os envolvidos, que alegam inocência e acabam sofrendo o desgaste de serem acusados, como alegam, injustamente. Puccinelli pretende usar a campanha eleitoral para retornar ao comando do Governo para mostrar que não cometeu as irregularidades apontadas pela PF.
As cinco fases da Lama Asfáltica
Pilar de Pedra, em 9 de julho de 2015, apurou desvios de R$ 11 milhões
Fazendas de Lama, em 10 de maio de 2016, apontou prejuízos de R$ 43,1 milhões aos cofres públicos. O valor foi corrigido e elevado para R$ 67,3 milhões pelo MPF.
Aviões de Lama, em 7 de julho de 2016, encontrou indícios de lavagem de R$ 2 milhões
Máquinas de Lama, em 11 de maio deste ano, verificou provas de irregularidades na aplicação de R$ 150 milhões
Papiros de Lama, em 14 de novembro de 2017, acusou desvio de R$ 85 milhões