Vítimas da ditadura militar em Mato Grosso do Sul apoiam a mudança do nome da Avenida Ernesto Geisel. No entanto, o cumprimento da lei municipal, que proíbe a homenagem de torturadores e envolvidos em crimes de lesa-humanidade, não tem apoio unânime. Pelo contrário, a divulgação do documento secreto da CIA, serviço de inteligência dos Estados Unidos, incendiou a guerra política entre a extrema direita e esquerda.
[adrotate group=”3″]
Até a revelação da CIA, o penúltimo presidente da ditadura militar tinha fama de ser o responsável pela abertura política. No entanto, conforme o documento descoberto pelo professor Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas, Geisel teve conhecimento da execução sumária de 104 pessoas pelo Centro de Inteligência do Exército.
Veja mais:
Revelação da CIA deve mudar nome da principal avenida de Campo Grande
E o pior, o general deu aval à manutenção do sistema e o último presidente do período, o general João Baptista Figueiredo, deu aval para as execuções. Desde a reunião relatada pela CIA, em de 89 presos políticos morreram ou desapareceram.
Perseguido pelo regime militar por 15 anos, Haroldo Borralho apoia a mudança de nome de avenida. Para ele, a homenagem revolta muito. “Só quem não viveu (a dor do período), é contra a mudança de nome. Não tem noção do grande transtorno ao cidadão”, argumenta.
Dono de uma gráfica na época, Borralho conta que os militares apareciam para fotografar os clientes e a Receita Federal mantinha fiscalização cerrada sobre a empresa. “Constrangiam os clientes, que sumiram”, relembra. Ele foi o primeiro no Estado a pedir o relatório do SNI (Serviço Nacional de Inteligência) sobre a perseguição em 1988.
Haroldo destaca que o presidente Geisel recebia dinheiro dos impostos para ordenar o assassinato do povo brasileiro.
Outra vítima foi o ex-deputado federal Nelson Trad, falecido, que teve o mandato cassado e foi preso cinco vezes. “E não era comunista”, relembra o filho, o deputado federal Fábio Trad (PSD).
Ele também endossa a proposta de mudar o nome da avenida. “Defendo a mudança porque as futuras gerações não podem trafegar em uma avenida que leva o nome de alguém que ordenou o assassinato de conterrâneos, violando a lei e a Constituição”, defende.
Já sobre o documento da CIA, o parlamentar defende que seja melhor investigado. A revelação muda a imagem de Geisel, que chegou a ser considerado o general bonzinho. Ele foi o responsável pela anistia que garantiu o retorno ao Brasil dos perseguidos políticos, como Leonel Brizola e Miguel Arraes.
Responsável pelo pedido para mudar o nome da Avenida Ernesto Geisel, o advogado Lairson Palermo, do Comitê Memória, Verdade e Justiça, defende o cumprimento da Lei Municipal 5.280/2014 – que proíbe a homenagem de torturadores, acusados de crime de lesa-humanidade e corruptos.
“O prefeito vai determinar o cumprimento da lei e não aventamos a hipótese dele descumprir a lei municipal”, frisa.
No entanto, a polêmica, literalmente, incendiou os grupos de discussão nas redes sociais. A mudança não é unânime.
“A cidade é feita de camadas históricas e, com isso, a gente conta sua história por meio de diversos artefatos. Se eu acatar essa sugestão, vamos apagar a história de Campo Grande em diversos capítulos pois podemos discordar do papel de Barão do Rio Branco ou do Afonso Pena de Lúdio Coelho, de Tamandaré?”, questiona o arquiteto Ângelo Arruda.
“A figura do Geisel, do João Batista Figueiredo, de Medici, para citar três generais que eu peguei em minha vida, são um problema. Era ditadura militar, um horror”, relembra. “Agora os nomes das ruas, sendo acatada essa ideia e sugestão, teremos de fazer um plebiscito porque tem um monte delas ligadas a fatos que a minha história não tolera. Mas a do outro sim. Então vamos com calma discutir isso dentro do ambiente da democracia”, propõe, em um dos poucos comentários a tolerar as diferenças na internet.
No geral, a plateia se transformou em torcida contra e a favor o regime militar.
A ex-vereadora Tereza Name colocou sob suspeita a divulgação do documento secreto. “Por que só vem a tona agora?”, questionou em postagem no Facebook. Parte dos seguidores do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), pré-candidato a presidente da República e defensor da ditadura militar, vê como estratégia para desgastá-lo diante da opinião pública.
Os seguidores de Bolsonaro e outros integrantes da extrema direita não só defendem as execuções, como lamentam que não tenham matado mais gente. Na lista, defendem a execução de petistas e comunistas.
“Admirável presidente, fez um bem para o Brasil, não morreu nenhum inocente, só morreu terrorista”, diz Valmir Leite.
Por outro lado, outro grupo considera que a mudança já acontece tarde. “O pior cego é aquele que não quer ver. Tantas vidas ceifadas em nome da democracia e um monte de cego deixando escorrer por mídias que são pagas para denegrir os fatos. Ditadura nunca mais”, defende Valdir Cardoso.
Outros defendem a mudança de nome de outras avenidas. “Avenida Costa e Silva também deveria mudar, outro ditador”, propõe Edgar Calixto Paz.
Também surgem as propostas de nomes para substituir Ernesto Geisel. O jornalista Rogério Alexandre Zanetti propõe Lídia Baís, que classifica como justa homenagem a pioneira das artes na Capital.
Sérgio Mattos defende Helena Meirelles, em homenagem a violeira que conquistou a celebridade após fazer sucesso no exterior.
Daniel Ricco propõe Manoel de Barros, o sul-mato-grossense que é considerado um dos maiores poetas brasileiros.
No entanto, já tem cidadão que mudou o nome por conta própria. “Sempre chamei essa avenida de Norte Sul exatamente porque nunca concordei que esse ex-presidente merecesse nenhuma homenagem”, contou, na rede social, Rúbia Quintiliano Matoso.
Outro já aproveita para protestar contra o abandono da via, que vem sendo marcada por desmoronamento ao longo de toda a extensão. “Deveria se chamar Desbarrancado”, defende José da Silva.
E a polêmica continua, com argumentos de todos os lados: a favor, contra e até só discutir o assunto.