A revelação de documentos secretos da CIA, serviço de inteligência dos Estados Unidos, deverá mudar o nome de uma das principais avenidas de Campo Grande. O memorando americano mostra que o general Ernesto Geisel, ao assumir o cargo de presidente da República em 1974, autorizou a continuidade da política de execução de presos políticos.
Lei Municipal 5.280, de 6 de janeiro de 2014, proíbe homenagens de torturadores e de pessoas que tenham praticado atos de lesa-humanidade com nomes em logradouros e prédios públicos. Aprovada pela Câmara Municipal, a proposta foi sancionada pelo então prefeito Alcides Bernal (PP).
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Com o surgimento da denúncia contra Geisel e o seu sucessor, general João Batista Figueiredo, feita em relatório da CIA pelo secretário de Estado dos EUA, só divulgado neste mês, o Comitê Memória, Verdade e Justiça encaminhou pedido para exigir o cumprimento da lei ao prefeito Marquinhos Trad (PSD).
Caso a lei seja cumprida, o município vai precisar mudar o nome da Avenida Presidente Ernesto Geisel, que também é conhecida como Norte Sul por ligar os dois extremos da Capital. Com aproximadamente 20 quilômetros de extensão, a via interliga o Conjunto Estrela do Sul, na região norte, ao Bairro Aero Rancho, o mais populoso da cidade.
Em toda a sua extensão, a via recebe três denominações. No trecho de 10 quilômetros, entre as avenidas Mascarenhas de Moraes, no Bairro Monte Castelo, e Manoel da Costa Lima, no Bairro Guanandi, é denominada de Ernesto Geisel.
A denominação muda para Vereador Thyrson de Almeida na região sul, enquanto no outro extremo é denominada Prefeito Heráclito de Figueiredo.
Geisel foi personagem importante na história do Estado, porque foi o responsável pela criação de Mato Grosso do Sul em 1977. Ele realizou o sonho antigo da região sul do Mato Grosso, que lutava pela divisão desde 1930, quando o movimento chegou a proclamar o Estado de Maracaju.
Além de mudança de nome, o Comitê prega a revogação de todas as homenagens e comendas concedidas a Geisel pelo município de Campo Grande.
O Comitê também pede o expurgo de qualquer homenagem ao presidente João Baptista Figueiredo, último do regime militar.
As revelações da CIA mostram que Geisel, em reunião com Figueiredo, autorizou a execução de presos políticos considerados subversivos e muito perigosos. O pior é que todas as mortes só ocorreram com a autorização de Figueiredo, que chefiava o SNI (Serviço Nacional de Inteligência).
O documento foi encontrado pelo professor Matias Espektor, do curso de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.
Leia a íntegra do documento:
Memorando do diretor da Agência Central de Inteligência Colby para o secretário de Estado Kissinger
Washington, 11 de abril de 1974.
Assunto: Decisão do presidente brasileiro Ernesto Geisel de continuar a execução sumária de subversivos perigosos sob certas condições
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[1 parágrafo (7 linhas) não desclassificado]
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Em 30 de março de 1974, reuniu-se presidente do Brasil, Ernesto Geisel, com o general Milton Tavares de Souza (chamado de general Milton) e o general Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente o chefe que sai e o que entra do Centro de Informações do Exército (CIE). Também esteve presente o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI).
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O general Milton, que falou durante a maior parte do tempo, detalhou o trabalho da CIE contra os alvos subversivos internos durante a administração do ex-presidente Emilio Garrastazu Médici. Ele ressaltou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e que os métodos extralegais devem continuar sendo usados contra subversivos perigosos. A este respeito, o general Milton disse que cerca de 104 pessoas nesta categoria foram sumariamente executadas pelo CIE durante o ano passado, ou pouco antes. Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade.
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O presidente, que comentou sobre a seriedade e os aspectos potencialmente prejudiciais desta política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana antes de chegar a qualquer decisão sobre sua continuidade. Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que muito cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que quando o CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe do CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O presidente e o general Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna, e que o esforço geral do CIE será coordenado pelo General Figueiredo.
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[1 parágrafo (12½ linhas) não desclassificado]
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Uma cópia deste memorando será disponibilizada ao Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. [1½ linha não desclassificada]. Nenhuma distribuição adicional está sendo feita.