A procuradora geral da República, Raquel Dodge, considerou que a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região afrontou o Supremo Tribunal Federal ao revogar as prisões preventivas dos integrantes da organização criminosa investigada na Operação Lama Asfáltica. Nesta quarta-feira, ela ingressou com reclamação no STF para pedir a decretação da prisão preventiva, via liminar, do ex-deputado federal Edson Giroto e do empresário João Amorim, dono do Proteco.
Para a chefe do MPF (Ministério Público Federal), os acórdãos da 5ª Turma do TRF3 “desrespeitaram a autoridade do Supremo Tribunal Federal”. O pedido vai ser analisado pelo ministro Alexandre de Moraes, autor do voto que causou a reviravolta na 1ª Turma do STF.
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“A decisão colegiada foi desrespeitada, em sua autoridade, e, na prática, perdeu sua eficácia, por meio dos acórdãos da 5ª Turma, da lavra do desembargador PauloFontes”, cita Dodge.
Ao verificar o recurso, a população fica aliviada ao constatar que não foi a única a ter a sensação de que houve “jogada” da defesa dos envolvidos, conduzida por um dos mais conceituados e caros criminalistas do Brasil, o advogado Alberto Zacharias Toron, para driblar a decisão do STF.
A história começou com a Operação Fazendas de Lama, segunda fase da Lama Asfáltica, quando a juíza Monique Marchioli Leite, decretou, em maio de 2016, a prisão preventiva de Amorim, Giroto, do engenheiro Wilson Roberto Mariano de Oliveira, do cunhado e da esposa de Giroto, Flávio Henrique Garcia Schrocchio e Rachel Portela Giroto, a filha de Amorim, Ana Paula Amorim Dolzan, e a sócia na Proteco, Elza Cristina Araújo dos Santos.
As prisões foram mantidas pelo TRF3 e pelo Superior Tribunal de Justiça. No entanto, em 21 de junho de 2016, o ministro Marco Aurélio concedeu habeas corpus e liberou o grupo. Em setembro do ano passado, ele retomou o julgamento do mérito e opinou pela manutenção do benefício. Moraes pediu vistas e sinalizou que votaria contra o habeas corpus.
Para a procuradora geral da República, a defesa articulou para que o habeas corpus fosse julgado após a decisão do Supremo. Como parte da estratégia, os advogados de Amorim e Elza ingressaram com o pedido de liberdade em 11 de dezembro do ano passado. José Valeriano Fontoura fez o mesmo pedido para Giroto, Rachel e Flávio. Em ambos os casos, não houve pedido de liminar.
Somente após a conclusão do julgamento pela 1ª Turma do STF, em 6 de março deste ano, os advogados pediram a concessão de liminar para soltar os acusados de comandar o esquema criminoso.
A 5ª Turma do TRF3, com os votos dos desembargadores Paulo Fontes e Maurício Kato, contrariou a determinação da prisão preventiva do STF e concedeu o habeas corpus para os cinco. O benefício foi estendido aos demais em seguida. Para Raquel Dodge, houve afronta ao Supremo Tribunal Federal. Ela observou que os votos de Fontes, pela concessão da liberdade, foi semelhante nos dois habeas corpus.
“Na prática, este último foi revisado ou reformado pela Corte Regional, haja vista que os fundamentos pelos quais esta proclamou a falta de necessidade cautelar da prisão não invalidam, sequer por fatos supervenientes ou por qualquer outro motivo, a conclusão do Excelso Pretório de que a custódia cautelar se justifica diante da gravidade concreta, do grande fluxo financeiro oriundo da atividade ilícita, da logística ousada da organização criminosa e da continuidade das articulações dos agentes mesmo depois de deflagrada a primeira fase da ‘Operação Lama Asfáltica’”, enfatiza a procuradora geral da República.
Além de restabelecer a autoridade do Supremo, Raquel Dodge destaca que a prisão é fundamental para restabelecer a ordem pública e evitar que a organização criminosa continue em poder do grande fluxo de dinheiro desviado dos cofres públicos.
A procuradora não cita valores, mas investigação da Polícia Federal aponta o desvio de aproximadamente R$ 300 milhões. A 3ª Vara Federal de Campo Grande determinou três bloqueios, que somam R$ 303 milhões nas operações Fazendas de Lama, Máquinas de Lama e Papiros de Lama.
Cinco ações penais já foram protocoladas contra os acusados, inclusive contra o ex-governador André PUccinelli (MDB). Ela cita que todas já foram aceitas pela Justiça, sendo que só Giroto é réu em cinco processos por lavagem de dinheiro e corrupção.
Não é a primeira vez que o STF é desafiado por instâncias inferiores. No caso mais polêmico, que envolve a versão carioca da Lava Jato, o juiz Marcelo Bretas, teve um duelo a parte com o ministro Gilmar Mendes.
Em outro caso, um juiz de Ponta Grossa (PR), para driblar a proibição de condução coercitiva, determinou a prisão dos acusados até serem ouvidos pela Polícia Federal. Em outro caso, determinou que eles fossem conduzidos a força para depor como testemunhas.
Os próprios ministros do STF contribuem com a bagunça. Apesar da corte manter a prisão em segunda instância, alguns ministros concedem habeas corpus para que os condenados acompanhem o julgamento dos recursos pendentes em casa.
Para o ministro aposentado do STJ, Gilson Dip, o Supremo contribui com a insegurança jurídica brasileira, com cada ministro se comportando como uma “ilha”.
Enquanto isso, Giroto sonha alto. Ele articula para ser candidato a deputado federal nas eleições deste ano e até já assumiu o controle do PR.