Artigo fala do controle do Judiciário pelo Executivo: Cármem Lúcia, presidente do STF, conversa com o “amigo” Michel Temer, investigado por corrupção na corte (Foto: Arquivo)
Em artigo para O Jacaré, o advogado Newley Amarilla, com quase quatro décadas dedicadas à advocacia, fala sobre a maior crise na história do Poder Judiciário. O ponto de partido é a greve dos juízes federais e do trabalho pela manutenção do auxílio moradia, no valor de R$ 4,3 mil por mês – a maioria absoluta dos brasileiros recebe salário inferior a este benefício.
A situação está mais complicada, quando cada ministro do STF, instância máxima da Justiça brasileira, interpreta a Constituição a sua maneira, com a sentença variando de acordo com o personagem. “Cada Ministro arvora-se em Tribunal composto por si mesmo”, lamenta.
Confira o artigo, na íntegra:
Poderes sem poder
Newley Amarilla *
A greve dos juízes é mais um sintoma de que o Judiciário brasileiro está perdido em sua condução. O outro, tão grave quanto, é o cambiante jeito de julgar do STF, onde cada Ministro arvora-se em Tribunal composto por si mesmo, dando de ombros para a jurisprudência do Colegiado, de modo que a “simples” sorte (ou azar) na distribuição de um recurso pode significar o sacrifício da liberdade.
Ao cabo de quase 40 anos de lida forense, não me recordo de outra quadra como esta, caracterizada por essas mazelas que revelam um profundo descompromisso da Magistratura com suas funções éticas e constitucionais.
A gravidade do momento é aguçada pela inação ou omissão da Ordem dos Advogados do Brasil, incapaz – há muito – de liderar (ou pelo menos unir) a sociedade civil na luta pelo respeito ao modo de conduzir as instituições pilares do Estado de Direito. O Legislativo faz o que bem quer, desde que não desagrade seu senhor, pois quase sempre, em todas as esferas, comporta-se como dócil bicho de estimação do Executivo; este, por seu turno, dono do cofre, conduz-se com proverbial e vetusto patrimonialismo, chegando ao cúmulo, em muitas paragens, de cooptar o Ministério Público e o Judiciário.
Logo, não era de se esperar que o Judiciário muito tempo resistisse a participar desse por assim dizer voluptuoso convescote, para não dizer outra coisa, mas é lamentável que isso tenha ocorrido, que os discípulos e mandatários de Têmis, a deusa da justiça, da lei e da ordem, protetora dos oprimidos, tenham perdido sua referência, fechando os olhos às suas virtudes e qualidades e abrindo-se às toscas pulsões mundanas.
Advogado faz análise do atual momento do Poder Judiciário (Foto: Arquivo)
Obviamente, registro seja feito, sob o manto dos poderes aqui criticados, muitos são os que procedem dignamente com as funções de seus cargos, de modo que a opinião negativa por mim expendida a eles não toca. Mesmo assim, o Poder que exercem resta diminuído, porque um Poder que não cumpre suas atribuições constitucionais ou cujos responsáveis fazem greve não é mais um Poder, nem força mais possui, deslegitimado que está por sua própria confessada fraqueza: Poder que tem poder obtém o que deseja naturalmente, porque sempre deve e só pode desejar o que a lei a ele concede. Oh tempore, oh mores!
