O advogado e professor Porto Vanderlei aborda, em artigo, a polêmica envolvendo o pagamento de auxílio moradia a juízes e desembargadores. Em MS, o valor de R$ 4,7 mil a R$ 6,09 mil é o maior do País, conforme reportagem publicada pelo O Jacaré e pelo jornal Folha de S.Paulo deste domingo.
O benefício equivale a 20% do subsídio pago aos magistrados e supera o valor de R$ 4.377 determinado em 2014 pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Para Porto, o auxílio é legal, mas, diante da realidade brasileira, pode ser considerado imoral. Ele também alfineta, ao destacar, que em decorrência da demora no julgamento das ações, o Judiciário não está “com esta bola toda”.
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Abaixo, confira o artigo, na íntegra:
Auxílio Moradia de juízes: nem tudo que é legal é moral
Porto Vanderlei
A revelação pela mídia nacional sobre o auxílio-moradia na ordem de R$ 4,3 mil, como forma de estipêndio destinado a grande parte do judiciário, embora haja segmento dessa parte não considerar tal auxílio fator remuneratório, causou um tremendo burburinho prolongado de muito, entretanto, poderia ser uma surpresa única caso se considerasse o judiciário diferente dos demais Poderes.
Segundo Carlos Roberto Gomes de Oliveira Paula, 56, juiz auxiliar no TJ-MA, abdicar, por vontade própria, desse valor exato quantificado em R$ 4.377,73, ofereceu-lhe um “bem-estar e leveza com a própria consciência”.
Já, Sérgio Moro, juiz federal responsável pela Operação Lava Jato, justificou o auxílio-moradia como complementação salarial, pois “é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1º de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados”.
Marcelo Bretas, condutor da Lava Jato no Rio de Janeiro, e sua esposa, que também é juíza, recebem um auxílio-moradia cada, portanto tem o benefício duplicado mesmo morando num só imóvel. Eles acionaram a Justiça em 2015 que lhes concedeu liminar favorável, conforme notícia publicada na coluna da jornalista Mônica Bergamo, do jornal Folha de São Paulo.
Em síntese, o auxílio moradia não é ilegal, pois, trata-se um benefício dado a servidores públicos para além do salário e sendo magistrado, basta solicitá-lo ao Tribunal que atua cujo valor é pago diretamente no contracheque e não precisa comprovar o uso do dinheiro no custo de moradia.
Atualmente, R$ 1,1 bilhão é o total de dinheiro público gasto anualmente com auxílio-moradia de 17 mil juízes no Brasil.
No caso em destaque, o benefício é um provento que começou há décadas destinado a determinados parlamentares, os quais defendiam a lógica de que o Estado haveria de ser responsável em prover condições de morada quando fora de seus domicílios.
Até aí, não é difícil entender o auxílio-moradia como legal e legitimado pela lógica de uma remuneração a alguém por conta da prestação de um serviço dignamente oferecido a outrem. Entretanto, no caso do Judiciário, sem discutir o mérito dos outros Poderes, a discussão passa pelo ponto de vista ético e moral por que na totalidade do que se ganha, hoje, um magistrado, de fato ele precisaria receber um valor de R$4.377,73 acrescidos ao valor do seu salário?
Na prática, o que se observa é que os concursos públicos para juiz oferecem uma remuneração inicial de pelo menos 20 mil reais, sem contar as gratificações. Segundo o Guia da Carreira – Salários, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que publica na internet os salários pagos aos juízes, sem contar as gratificações, um juiz de direito recebe R$ 27.424,01 e um desembargador R$ 30.471,11.
Se colocado um debate objetivo sobre o comportamento do Judiciário brasileiro, a justiça brasileira tarda, e tarda muito, pois entre o início de uma ação e a sentença podem se passar anos ou décadas, de modo que o crime pode até prescrever. Segundo o site da revista EXAME, o Conselho Nacional de Justiça confirma a percepção generalizada de que o nosso Judiciário anda a passos de tartaruga.
Neste sentido, o judiciário não está com essa “Bola toda” para justificar compensação salarial, conforme disse o juiz Sérgio Moro, até porque o pagamento é feito por meio de múltiplos privilégios, daí, o auxílio-moradia é um deles.
Além da questão comportamental, há que se colocar em discussão o conteúdo moralidade versus legalidade numa relação de compreensão sobre a pecha “o Brasil é o país do jeitinho, da impunidade e do nepotismo” e a crise moral que ora sofre a gestão pública e a figura do político brasileiro.
No Brasil, legalidade e moralidade não estão para si, pois elas andam a partir do interesse político, o que vale dizer da conveniência. A indignação sobre essa polêmica do auxílio-moradia se sustenta quando se tem conhecimento, por exemplo, do valor do salário mínimo 2018 (R$ 954) e do valor máximo do benefício 2018 da Previdência Social na ordem de R$ 5.645,80. Portanto, “nem tudo que é legal é moral, segundo Lourembergue Alves professor universitário e articulista”.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux concedeu uma liminar, isto é, uma decisão provisória aos juízes garantindo-lhes o pagamento mesmo nos casos de quem tem casa própria.
O Conselho Nacional de Justiça passou a cortar os auxílios-moradia de juízes com casa própria baseado numa legislação de 1990, porém muitos recorreram à Justiça para manter o benefício, cujo caso aguarda definição do plenário do Supremo Tribunal Federal.
Enfim, R$ 1,1 bilhão é o valor de dinheiro público gasto anualmente com auxílio-moradia de juízes no Brasil, segundo Paulo Flores, 02 fev. 2018, NEXO JORNAL LTDA.
Inobstante tudo isso, é necessário e fundamental o cidadão comum entender que não se pode perder o valor contido no senso indignação ou de se escandalizar quando se subtrai “as razões” dos magistrados buscarem – com muita sede ao pote –, o direito ao auxílio-moradia.
Veja bem, o ministro Luiz Fux para justificar sua decisão, entendeu que o magistrado faz jus ao referido auxílio já que se trata de caráter indenizatório previsto pela Lei Orgânica da categoria, paga a magistrados de dezoito estados e a diversos profissionais.
No mérito, com base numa apertada pesquisa, a verba indenizatória é uma vantagem que dura no intervalo de certa circunstância. Portanto, tem o caráter meramente transitório.
Neste sentido, essa indenização não é parte integrante do vencimento do servidor público. Entretanto, há entendimento que existindo previsão legal ou, na hipótese delas forem oferecidas pela Administração (o Estado) com habitualidade, elas farão parte do vencimento.
E, uma vez elas sendo incorporada ao vencimento sua exclusão só ocorrerá a pedido do interessado ou pela extinção do fato gerador que lhe deu origem ou lhe deu o caráter remuneratório, tudo isso por conta do efeito do direito adquirido respaldado no artigo 5º, inciso XXXVI que dispõe, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Mais uma vez, pode-se concluir que ora se legisla em causa própria ora se julga em causa própria, razão pela qual, não devemos perder a capacidade de se escandalizar nem se indignar com um auxílio que um mortal comum levaria quatro meses e meio para obter como salário integral, considerando-se o valor do mínimo em vigor no Brasil.
A magistratura começa a agir como se vivesse alheia a realidade do povo brasileiro, que, em última instância, garante os polpudos salários e excelentes penduricalhos.
Porto Vanderlei é advogado e professor
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