Como parte da estratégia de impedir críticas à administração estadual e a publicação das investigações em curso, o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) ingressou com 16 ações na Justiça para calar O Jacaré. Além das interpelações judiciais, o tucano ameaça “guerra jurídica” contra a liberdade de imprensa, um princípio caro à democracia moderna.
As ações foram protocoladas nos dias 22 e 23 de janeiro deste ano pelo advogado Gustavo Passarelli contra o jornalista Edivaldo Bitencourt, editor deste blog. Devido ao grande número de processos, o Azambuja acionou seis das sete varas criminais da Capital para analisarem os pedidos contra O Jacaré.
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Como as matérias publicadas não condenam nem acusam o governador de nenhum crime, só relatam as suspeitas e fazem análises das prioridades do atual Governo, o tucano pede que a Justiça interpele o jornalista para se manifestar se houve ou não a prática de algum crime, como prevaricação, corrupção passiva e ativa, advocacia administrativa e até homicídio culposo.
O Jacaré é um dos poucos espaços com críticas à atual administração. Mas não é o único a ser alvo dos ataques contra os meios de comunicação em Mato Grosso do Sul.
No mês passado, o espaço de humor Passeando em Campo Grande, com aproximadamente 230 mil seguidores no Facebook, foi tirado, misteriosamente do ar após a publicação de vídeo satirizando o prefeito Marquinhos Trad (PSD) pela criação da polêmica taxa do lixo. Assessoria do município nega qualquer iniciativa em extinguir o site de humor.
Em abril do ano passado, o juiz Paulo Afonso de Oliveira, da 2ª Vara Cível de Campo Grande, determinou a retirada do ar do Blog do Nélio, sob pena de prisão do jornalista Nélio Brandão. A censura era imposta pela ASMMP (Associação Sul-mato-grossense dos Membros do Ministério Público).
Agora, o governador do Estado recorre ao Poder Judiciário com 16 ações simultâneas contra O Jacaré. O advogado Gustavo Passarelli é claro nas petições de que as interpelações são apenas o início da guerra judicial contra o site, que inclui ações por calúnia e pedidos de indenização.
Assim como defende o direito de publicar todas as informações que considerar pertinente envolvendo as autoridades públicas, O Jacaré entende que o governador deve, sempre que quiser ou achar conveniente, apresentar sua defesa.
O espaço para Reinaldo questionar cada matéria está sempre aberto, como sempre foi comunicado à sua assessoria de imprensa. Não era necessário desembolsar R$ 6.026,40 com custas judiciais para fazer 16 interpelações judiciais.
Mesmo que o governador tenha apelado ao extremo, a premissa continua. Para cada matéria, basta apresentar o contraponto e não será preciso gastar um centavo dos milhões dispensados com a publicidade oficial para garantir um direito constitucional: o contraditório e a defesa ampla.
O Jacaré pretende, enquanto for permitido, ser o ponto de partida dos debates, nunca a chegada. Muito menos o dono da verdade.
A liberdade de imprensa não é um princípio cumprido à risca no País. Relatório do Repórter Sem Fronteiras põe o Brasil em 103º no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2017. O trabalho jornalístico é mais valorizado na Tanzânia (83º).
No relatório, o Repórter Sem Fronteira aponta piora no cenário mundial, marcado “pela banalização dos ataques contra as mídias e o triunfo de políticos autoritários que fazem com que o mundo caia na era da pós-verdade, da propaganda política e da repressão, sobretudo nas democracias”.
Recorrer ao Poder Judiciário para calar os críticos não é uma estratégia apenas de Reinaldo Azambuja. No ano passado, jornalistas do jornal A Gazeta do Povo, de Curitiba (PR), denunciaram os supersalários pagos aos juízes. Para por fim às denúncias, juízes entraram com ações em vários municípios com o objetivo de forçar o jornalista a passar dias viajando para participar de audiências.
No caso paranaense, o Conselho Nacional de Justiça interveiou para por fim à manobra dos magistrados contra a liberdade de imprensa.
A liberdade de imprensa é tema do filme “The Post – A guerra secreta”, em cartaz nos cinemas, quando o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, vai à Justiça de Nova Iorque para proibir o jornal New York Times de divulgar relatórios secretos que previam o fracasso da guerra no Vietnã.
No filme, o jornal The Washginton Post passa a divulgar o relatório mesmo com o risco dos responsáveis serem presos. No entanto, a Suprema Corte decide a favor da liberdade de imprensa e mantém a publicação dos relatórios, que eram secretos. A revelação foi fundamental para levar ao fim da guerra no Vietnã.
Depois de ser reeleito em 1972, Nixon renunciou ao mandato após ser alvo de processo de impeachment em decorrência do caso Watergate, revelado pelo Post.
A democracia brasileira ainda é jovem, completa 33 anos neste ano. No entanto, o desenvolvimento de um País e de um Estado, só é possível com a liberdade de imprensa.
No entanto, algumas manifestações reforçam a esperança e a fé na construção de novos paradigmas da política brasileira. “Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional”, defendeu Ayres de Britto, quando era ministro do Supremo Tribunal Federal.
O surgimento de novos espaços também é defendida pelo ministro Dias Toffoli, do STF, que observou o seguinte na liminar a favor do jornalista Nélio Brandão: “Estamos na Era das Novas Mídias. Essa nova realidade revolucionou os nossos hábitos e, inevitavelmente, as formas de jornalismo. Mudou-se o suporte, mas não o fim maior, a informação”, destaca o ministro.
Sem liberdade de imprensa, não há evolução nem desenvolvimento de uma nação.
“Não nos deveríamos jamais esquecer de que a linguagem clara da Constituição reconhece ser a censura inimiga mortal da liberdade e do progresso, e de que a Constituição a proíbe”. A frase foi dita há 50 anos pelo juiz Hugo Lafayette Black, da Suprema Corte dos Estados Unidos, mas segue atual para o atual momento da política brasileira.
As reportagens questionadas por Reinaldo Azambuja
O governador Reinaldo Azambuja questiona 16 matérias publicadas, que abordam desde o gasto milionário com publicidade, a crise financeira do Estado e a investigação da denúncia feita na delação premiada da JBS:
Confira abaixo as 16 ações e os números na Justiça:
0801400-76.2018.8.12.0001 (3ª Vara Criminal)
“Saúde fica sem verba, mas Reinaldo torra R$ 165 mi em propaganda e prevê mais R$ 35 mi em seis meses” – O governador quer saber se cometeu o crime de prevaricação neste caso
0801398-09.2018.8.12.0001 (1ª Vara Criminal)
“Em delação, Funaro cita propina milionária a Ivanildo Miranda, operador de André e Reinaldo” – O tucano acredita que a palavra “operador financeiro” pode ter sentido pejorativo
080390-32.2018.8.12.0001 (6ª Vara Criminal)
“Reinaldo tinha razão sobre empresários da JBS, mas não fica livre de denúncias de corrupção” – Azambuja alega que a investigação do caso no STJ não existe
0801386-92.2018.8.12.0001 (4ª Vara Criminal)
“Investigada na Antivírus, Digix pagou R$ 865 mil a produtora que fez a campanha de Reinaldo” – O chefe do Executivo quer saber a fonte da informação
0801392-02.2018.8.12.0001 (4ª Vara Criminal)
“Devagar e omisso, Governo ainda não mandou empreiteira refazer serviço malfeito em rodovia” – Reinaldo pede para citar a fonte da informação e as ações que deram base à reportagem
0801394-69.2018.8.12.0001 (2ª Vara Criminal)
“Patrimônio do governador cresce 87% e tem aumento de R$ 17 milhões em oito anos” – O governador pede explicações sobre a análise feita com base nas declarações feitas à Justiça Eleitoral
0801402-46.2018.8.12.0001 (6ª Vara Criminal)
“Deputados e juiz livram Reinaldo, mas bloqueio da JBS pode deixar 75 mil sem emprego em MS” – O governador vê a acusação de que houve “conluio” entre os três poderes
0801406-83.2018.8.12.0001 (3ª Vara Criminal)
“Deputados e governador criam nova regra: só fazem reuniões após recolher celulares” – O ocupante da Governadoria não vê problemas na informação, mas questiona a contextualização dos fatos
0801408-53.2018.8.12.0001 (1ª Vara Criminal)
“Beneficiado com licença ilegal para desmatar Pantanal, pecuarista emitiu R$ 7,6 milhões em notas a Reinaldo” – O governador critica a utilização de meias palavras e questiona a informação
0801409-38.2018.8.12.0001 (5ª Vara Criminal)
“Reinaldo fez “visita de cortesia” a presidente do TRF3 uma semana antes da prisão de André” – Azambuja questiona a publicação da informação porque é “normal” a visita de cortesia entre autoridades
0801410-23.2018.8.12.0001 (4ª Vara Criminal)
“Governo tinha dinheiro, mas não fez nada contra a dengue, que fez 105 mil vítimas e matou 36” – O tucano não entende a contextualização feita na matéria sobre denúncia feita pelo MPE e pede explicações
0801423-22.2018.8.12.0001 (1ª Vara Criminal)
“Com Estado sem dinheiro, Reinaldo paga R$ 1,1 milhão por shows de Almir Sater” – A mais alta autoridade de MS admite a crise, mas questiona o critério de compará-la com o gasto com o artista regional
0801425-89.2018.8.12.0001 (3ª Vara Criminal)
“Violência cresce, mas Reinaldo reduz investimento em segurança e amplia em 35% ao TCE” – Reinaldo deduz que é acusado de usar o dinheiro público para interesses pessoais
0801426-74.2018.8.12.0001 (4ª Vara Criminal)
“STJ nega acesso mais uma vez e confirma que Reinaldo é alvo de “diversas” investigações” – O governador diz que não é o único a questionar o caso e pede provas de que realmente é investigado pela PF
0801427-59.2018.8.12.0001 (5ª Vara Criminal)
“Investigada pela PF é favorita nas licitações milionárias de Reinaldo na última semana do ano” – Azambuja vê acusação nas entrelinhas de que teria cometido alguma ilegalidade
0801429-29.2018.8.12.0001 (6ª Vara Criminal)
“Reinaldo é o 3º pior governador do País ao não cumprir 52,1% das promessas” – Reinaldo Azambuja questiona o alerta para o risco de gastar o que for preciso para garantir a reeleição e vê a acusação de que irá “comprar votos”, que não é citada nem de forma subliminar no texto