Suposta organização criminosa de Campo Grande aplicou o “golpe do século” ao usar o nome de Deus para vender o sonho de ficar milionário. Nos últimos 10 anos, os empresários podem ter feito 25 mil vítimas, principalmente evangélicos, em todos os estados brasileiros, de acordo com estimativa da Polícia Federal, que desvendou o esquema criminoso na Operação Ouro de Ofir, realizada nesta terça-feira.
A quadrilha modernizou o antigo conto do vigário. A denominação surgiu após um golpista chegar de Portugal, o suposto filho do vigário, e transitar na alta sociedade brasileira. Como ia receber uma fortuna do suposto vigário, ele passou a viver de empréstimos dos abonados da época. Quando a polícia descobriu o golpe, o prejuízo já era incalculável.
Na versão campo-grandense, o golpista é o empresário Celso Éder Gonzaga de Araújo, 33 anos, que se apresentava como cônsul de Guiné-Bissau, país da África Ocidental. Capa das principais revistas regionais, ele criou a Company Consultoria Empresarial em 20 de maio do ano passado com patrimônio de R$ 1,5 milhão.
Para dar legitimidade aos negócios, o empresário patrocinava o Campeonato Estadual de Futebol.
Para o delegado Cleo Mazzotti, da Polícia Federal, ele era um dos cabeças da organização, ao lado do tio, Anderson Flores de Araújo, e de Sidney Anjos Peró. Os três tiveram a prisão temporária decretada pela Justiça. O quarto integrante, que não teve o nome revelado, está foragido.
Aliás, a PF demorou para atender o clamor para investigar o grupo criminoso. Há até petição na internet pedindo para que a corporação investigasse os golpistas, que seguiam impunes. Eles estavam ficando riquíssimos com o esquema.
De acordo com a Receita Federal, o patrimônio de apenas um dos integrantes da quadrilha saltou de R$ 11 mil para R$ 4 bilhões em quatro anos.
A fortuna foi construída vendendo o sonho de dinheiro fácil. Eles vendiam toneladas de ouro, retiradas de um garimpo fictício, e Letras do Tesouro Nacional. Aliás, contavam que tinham ganhado R$ 3 trilhões na Justiça e contavam com o aval até da ONU para redistribuir 40% do dinheiro. Em troca do sonho de ganhar R$ 1 milhão, pessoas faziam “milagres” para conseguir o dinheiro.
Segundo o relato de uma das vítimas em Sergipe, as pessoas estavam vendendo motocicletas, carros e até casa para conseguir o dinheiro e realizar o sonho de ficar rico. Era a aposta certa em ganhar uma mega-sena.
A quadrilha usava a boa fé das pessoas para surrupiar o dinheiro que fosse possível. Andréa e o marido estavam desempregados quando o grupo apareceu na vida do casal. Eles juntaram as economias e entregaram para o grupo. “Achei que Deus tinha ouvido minhas preces”, contou ela, em postagem na internet. “Todos os dias orei agradecendo”, revela, até descobrir que caiu em um golpe.
Outra vítima, identificada como Arthur, acreditou até o último minuto que iria receber o dinheiro. “Comprei o sonho de ficar milionário”, admitiu. “Já houve várias datas e até agora nada”, lamentou-se o homem, arrasado por ter caído no golpe.
Paulo, outro a cair no conto do cônsul, deu R$ 25 mil ao grupo na esperança de ganhar R$ 1 milhão. “Quero justiça e o meu dinheiro de volta”, escreveu ele na petição em que pede para a PF investigar a organização.
“Esse golpe destruiu a minha família”, frisou Jean, outra vítima. Além do nome de Deus, a quadrilha usou até o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus e da RecordTV, para enganar evangélicos.
Mesmo com muitos relatos de vítimas, algumas ainda se negavam a acreditar que caíram em um golpe e até rogavam pragas em quem criticava Sidney, porque Deus providenciaria o pagamento.
Para enganar os “clientes”, eles falsificaram documentos públicos do Banco Central, do Banco do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários para “legalizar” o negócio. Também culpavam as instituições pelo atraso no pagamento, que chegava a perder de vista para algumas vítimas. Houve gente orando para que o Banco do Brasil se sensibilizasse e liberasse o dinheiro.
O número de vítimas surpreendeu a PF, que já esperava um número significativo: 10 mil. No entanto, pode chegar a 25 mil pessoas nos 26 estados e no Distrito Federal, de acordo com Mazzotti.
Ao cumprir os 11 mandados de busca e apreensão, os policiais apreenderam R$ 1 milhão em dinheiro e 200 quilos de pedras preciosas. A Receita já trata como o maior golpe aplicado no Brasil.
Além de usar Deus para ludibriar os evangélicos, o grupo tinha com forte neurolinguística para arrematar vítimas. Além dos cabeças, a organização contava com os escriturários, que eram autorizados a fazer as transações, e os corretores, encarregados de propagar os feitos da organização em grupos de whatsapp.
O grupo prometia uma rentabilidade absurda, que poderia chegar a 1.000% de ganhos. Só ai o cidadão já devia ficar desconfiado, porque não existe nada de graça, inclusive do ponto de vista bíblico.
Além de cônsul, Éder Araújo conseguiu em 2014 a carteirinha de juiz arbitral, conforme consta de registro no Diário Oficial de Campo Grande. Houve gente que pensou tratar-se de juiz federal.
Vítimas devem ficar com o prejuízo
A Operação Ouro de Ofir deverá por fim aos golpes, mas não deverá garantir a restituição do dinheiro investigado. Só considerando-se o valor base do golpe, R$ 1 mil, a quadrilha pode ter faturado, no mínimo, R$ 25 milhões.
De acordo com Cleo Mazzotti, as vítimas deverão recorrer à Justiça para obter o dinheiro de volta.
A Justiça determinou o bloqueio de todos os bens da suposta organização criminosa, o que deverá garantir o ressarcimento dos prejuízos causados.
A denominação Ouro de Ofir faz alusão a uma citação na bíblia. De acordo com a PF, Ofir é citada como a cidade que possui ouro finíssimo, raro e puro. No entanto, a tal cidade nunca foi encontrada.