Empresário, pecuarista e operador de André Puccinelli (PMDB) entre 2006 e 2013, Ivanildo da Cunha Mirada, 59 anos, revelou, em delação premiada homologada pela Justiça Federal, que a propina mensal paga por cada frigorífico oscilava entre R$ 60 mil a R$ 2 milhões. Entre junho de 2007 e 2011, o valor mensal era de R$ 710 mil a R$ 930 mil.
Após a ampliação da JBS,que assumiu sozinha o pagamento, o valor repassado mensalmente passou a ser de R$ 1,8 milhão a R$ 2 milhões. As revelações constam da colaboração premiada que culminou com a Operação Papiros de Lama, denominação da 5ª fase da Lama Asfáltica.
Em 30 páginas da delação premiada, firmada com os delegados Marcos Damato e Cleo Mazzatti e com o procurador regional da República, Davi Marcucci Pracucho, ele revela detalhes do relacionamento com o ex-governador e os empresários envolvidos nas irregularidades.
Bancário por 14 anos do Bradesco, ele ficou amigo do pecuarista Roberto de Oliveira Silva, pai do governador Reinaldo Azambuja (PSDB). Em 2006, já como pecuarista e empresário do ramo de distribuição de cerveja, ele foi visitar a mãe do tucano, Zulmira Azambuja Silva, quando Reinaldo lhe apresentou ao ex-governador.
Na ocasião, ele decidiu se desfazer dos negócios em Goiânia (GO) e voltar para a Capital para ajudar na campanha do peemedebista como arrecadador informal. Ele conseguiu reunião com a cúpula do Bradesco, Lázaro Brandão, e o atual presidente, Luiz Carlos Trabucco, que acertaram a doação de R$ 500 mil a Puccinelli, que acabou eleito governador em 2006.
Ele esperava ser contemplado com cargo na administração estadual, mas se viu frustrado. Somente em junho de 2007, o então governador o chamou e revelou a sua missão no grupo, a de arrecadador de propinas junto aos frigoríficos JBS, Marfrig, Bertin e Independência.
Cada empresa tinha um estilo próprio de repassar a propina. Pelo serviço, Miranda recebeu de R$ 60 mil a R$ 100 mil até 2010. Após essa data, quando o montante pago pela JBS passou a ser maior, o ex-governador passou a lhe pagar R$ 200 mil pelo serviço.
O valor pago mensalmente entre 2007 e 2010, pelos quatro frigoríficos, variava entre R$ 710 mil e R$ 930 mil, conforme o depoimento de Ivanildo da Cunha Miranda.
O frigorífico Independência repassou de R$ 60 mil a R$ 80 mil por mês. A propina era paga em espécie e entregue em caixas de papelão, sacolas e mochilas pelo empresário Miguel Russo Neto na sede da empresa em São Paulo.
Ele revelou que o Marfrig pagava de R$ 100 mil a R$ 150 mil mensais. O dinheiro era entregue pelo dono, Marcos Antônio Molina. Inicialmente, o pagamento era feito na sede da companhia em Santo André, depois passou a ser feito no escritório em São Paulo.
O Bertin pagava de R$ 250 mil a R$ 300 mil por mês. O pagamento era feito pelo dono, Natalino Bertin. Em algumas ocasiões, quando vinha a Capital, ele fazia a entrega diretamente ao ex-governador, que só comunicava Ivanildo que a parte do Bertin já havia sido paga.
Natalino carregava o dinheiro em pastas executivas e mochilas.
A JBS repassava de R$ 300 mil a R$ 400 mil por mês em São Paulo por meio de Demilton Antônio de Castro, funcionário por mais de 40 anos da empresa. Após a compra dos frigoríficos Bertin e Independência, em 2010, o repasse passou para R$ 1,8 milhão a R$ 2 milhões por mês, de acordo com a delação premiada.
O Marfrigo deixou de repassar quando fechou a unidade em Porto Murtinho e desistiu de investigar no Estado, o que ocasionou a suspensão dos benefícios fiscais.
Ivanildo conta que os valores a serem recolhidos eram definidos pelo ex-governador, que lhe entregava uma lista com o montante a ser pago por cada empresa e dos beneficiados pelos pagamentos da JBS.
Então, ele visitava Puccinelli no apartamento no Jardim dos Estados em duas ocasiões. Na primeira para pegar a lista. A segunda era feita para entregar o dinheiro em espécie. Ele não detalha se levava mais de uma caixa ou mochila, já que cada empresa fazia o pagamento de uma forma.
Devido ao valor ser muito alto, a JBS passou a fazer o repasse por meio de boletos, duplicatas e depósitos bancários. Ivanildo tinha a missão de entregar a lista com as contas correntes dos beneficiados.
Ele faz a observação de que Puccinelli exigia a sua parte em dinheiro vivo. No entanto, ele não deixa claro qual era a quantia da propina que o ex-governador exigia que fosse paga em dinheiro em espécie.
As viagens para buscar o dinheiro em São Paulo eram feitas em carro ou de avião. Para comprovar a veracidade das revelações, ele apresentou ao processo e-mails, planilhas, diários de bordo das viagens aéreas, comprovantes das ligações telefônicas e depósitos bancários.
Aliados de André não enxergam provas e desqualificam delação
Os aliados do ex-governador André Puccinelli unificaram o discurso em desqualificar a delação de Ivanildo da Cunha Miranda. Além de não enxergar provas na denúncia, eles condenam a prisão preventiva decretada pelo juiz Ney Gustavo Paes de Andrade, da 3ª Vara Federal de Campo Grande.
O primeiro a rechaçar a denúncia foi o deputado federal Carlos Marun (PMDB), que visitou o peemedebista na cadeia e até fez dança para festejar o habeas corpus.
Marun destacou que não existem provas e vê a Operação Papiros de Lama, que apura desvio de R$ 85 milhões, como armação política. O ex-governador iria assumir o comando do partido na convenção estadual prevista para sábado, que acabo adiada para dezembro.
Amigo do peemedebista, candidato a senador na última eleição e dono do jornal Correio do Estado, Antônio João Hugo Rodrigues, também saiu em defesa do aliado. “Não sou advogado. Mas não sou burro. Li duas vezes, com muita atenção, todo o inquérito da Polícia Federal. Não vi, sinceramente, nada que justificasse a nova prisão”, destacou o empresário.
O presidente da Assembleia Legislativa e do PMDB, deputado estadual Junior Mochi, também condenou a prisão. Ele considerou “estranho” a prisão ter sido decretada em 31 de outubro e só cumprida em 14 de novembro.