Ao longo da carreira política de quatro décadas, André Puccinelli, 69 anos, transformou-se no “mito” da política estadual. Colecionador de polêmicas, famoso “tocador de obras” na prefeitura e no Governo do Estado, ele entra para a história como o primeiro ex-governador de Mato Grosso do Sul a ser preso graças a um erro político, não ter disputado o Senado em 2014.
Acusado de chefiar uma organização criminosa, que teria desviado R$ 235 milhões dos cofres públicos, segundo a Operação Papiros de Lama, da Polícia Federal, o peemedebista dividiu com o filho, o advogado e professor universitário André Puccinelli Júnior, 40, a cela com capacidade para 24 presos no Centro de Triagem Anisio Pereira, no complexo presidiário de Campo Grande.
A prisão determinada pelo juiz substituto da 3ª Vara Federal de Campo Grande, Ney Gustavo Paes de Andrade, é histórica e derruba o favorito na sucessão do governador Reinaldo Azambuja (PSDB). Conforme pesquisa do Ipems, divulgada pelo Correio do Estado, o peemedebista estava em primeiro lugar em eventual disputa, com 33%, e bateria todos os adversários no segundo turno.
Como “mito”, mesmo dizendo ter deixado a política de lado para cuidar dos netos, o ex-governador seguia ativo e recebia caravanas de vereadores, prefeitos, deputados e lideranças políticas. Ele articulava dia e noite para ser o candidato a governador do PMDB em 2018.
No entanto, no meio do caminho, a prisão transformou a vida do ex-governador em pesadelo e destruiu o sonho de voltar a ter foro privilegiado. O tiro de misericórdia foi dado por um ex-aliado, o empresário Ivanildo da Cunha Miranda, justamente o cara que surgiu com a missão de abafar outro escândalo, envolvendo o operador financeiro das campanhas de Puccinelli para prefeito, o dono da Proteco, João Amorim dos Santos.
Nos últimos meses, os escândalos envolvendo o ex-governador se avolumaram em uma velocidade sem precedentes. No entanto, polêmica é a marca registrada de André Puccinelli, que nunca teve medo de se envolver em uma.
Político com fama de trabalhador – quando era prefeito, madrugava para conferir os plantões nos postos de saúde e acompanhava de perto todas as obras – ele sempre se baseou em pesquisas para não perder as disputas.
A bancarrota começou com a derrota de Edson Giroto, seu fiel escudeiro e secretário de Obras nos dois mandatos como prefeito e como governador, em 2012, que mesmo com todo o poderio econômico e político perdeu para Alcides Bernal (PP), em chapa única e campanha praticamente solitária.
No entanto, o erro fatal de Puccinelli foi não ser candidato a senador em 2014, quando poderia deixar o Governo nas mãos da vice-governadora Simone Tebet (PMDB). A mais de um interlocutor, o peemedebista admite a falha na estratégia política.
Independente do resultado, com a popularidade em alta, ele não teria problemas em conquistar o Senado diante de adversários novatos na política, como o presidente da Cassems, Ricardo Ayache, e do dono do Correio do Estado, Antônio João Hugo Rodrigues.
Com o foro privilegiado de senador, Puccinelli teria postergador a Operação Lama Asfáltica por mais oito anos. A operação começou em 2013, com o nome de “Pilar da Pedra”, mas foi suspensa porque Giroto tinha foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal, já que era deputado estadual.
Em nova tentativa de retomar a investigação, a Polícia Federal foi obrigada novamente suspender os trabalhos porque Puccinelli tornou-se alvo e tinha foro no Superior Tribunal de Justiça por ser governador.
Para a felicidade dos policiais federais, ele e Giroto decidiram não disputar nenhum cargo eletivo e enfrentaram a avalanche de denúncias no sereno, como qualquer cidadão. Giroto chegou a ser preso três vezes. O ex-secretário permaneceu por 40 dias na cela atualmente ocupada pelo ex-chefe, até ser salvo por liminar do ministro Marco Aurélio, do STF.
A prisão preventiva é mais uma das rumorosas polêmicas a marcar a história de Puccinelli, que começou em 2 de julho de 1948 na cidade de Villaregio, na Itália. A família veio para o Brasil quando ele ainda era criança.
Formou-se médico em Curitiba e iniciou a carreira em Fátima do Sul em 1973, onde permaneceu por 10 anos. Filiado ao PMDB desde 1979, quando ainda se chamava MDB, André foi secretário estadual de Saúde na primeira gestão de Wilson Barbosa Martins (PMDB), e foi eleito deputado estadual pela primeira vez em 1986.
Depois de ser deputado estadual por dois mandatos, elegeu-se deputado federal em 1994. Dois anos depois foi eleito prefeito de Campo Grande na polêmica vitória por 411 votos sobre Zeca do PT. Na época, houve denúncia de compra de votos, mas a denúncia foi rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Em 1999, Puccinelli envolveu-se no escândalo do Lixogate, quando o italiano Moreno Gori falsificou o comprovante do depósito de R$ 1 milhão para assumir a coleta de lixo na Capital, um negócio bilionário. Astuto, o então prefeito posou-se de vítima, denunciou a falcatrua para a Polícia Federal e só o empresário italiano foi condenado por falsificação de documentos públicos.
Outros escândalos marcaram a administração, como a doação da área do Papa para a Financial, construtora que acabou assumindo a coleta do lixo na gestão de Nelsinho Trad (PTB), e a privatização dos serviços de água e esgoto, atualmente gerida pela Águas Guariroba, investigada pela PF por beneficiar o suposto esquema do ex-governador.
O percussor da Lama Asfáltica pode ter sido o escândalo envolvendo a Engecap, empresa em nome de “laranjas”, dois garis, que tinha contratos milionários com a prefeitura. O gestor era o engenheiro Éolo Genovês Ferrari. Os garis foram processados por sonegação fiscal, já que a empresa não recolhia os impostos. A Engecap sumiu e só os trabalhadores pagaram a conta.
Giroto, Puccinelli Júnior e o dono da Gráfica Alvorada, junto com André, foram alvos da Operação Vintém. Eles montaram uma farsa de compra de votos contra o então deputado estadual Semy Ferraz (PT), que era autor de várias denúncias contra o peemedebista. Apesar de provas e interceptações telefônicas, Puccinelli conseguiu se livrar da investigação e o caso segue em recurso.
Puccinelli ainda foi denunciado por enriquecimento ilícito. A evolução patrimonial dele, da esposa e do amigo Mauro Cavali era incompatível com a renda oficial. A investigação parou no STJ porque a Assembleia não autorizou o julgamento. Com o fim do foro privilegiado, o processo retornou para a primeira instância e sumiu, literalmente, na Justiça estadual.
Sem mandato, como cidadão comum, mas com a popularidade em alta, Puccinelli começou a viver pesadelos.
A sua maior obra, o Aquário do Pantanal, está parada em suspeitas de corrupção. Apesar de ter sido monitorada pelo Tribunal de Contas e Ministério Público, João Amorim impôs o esquema e assumiu o projeto, apesar da vencedora da licitação ter sido a Egelte Engenharia.
Além da Lama Asfáltica, Puccinelli ainda é alvo da Operação Coffee Break, que desvendou a participação de políticos e empresários na cassação do mandato de Alcides Bernal em 2014. Ele é réu em ação por improbidade junto com outros 23. Na esfera criminal, o processo segue o ritmo da morosidade do Poder Judiciário.
A esperança para deixar a cadeia é o desembargador Paulo Fontes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que vai analisar o pedido de habeas corpus protocolado ontem pelo famoso criminalista Antônio Mariz, ex-advogado e amigo do presidente Michel Temer (PMDB) e sempre cotado para ser ministro da Justiça.
Enquanto isso, o peemedebista, o mito, tem os seus dias de Chico.