A concessionária de água e esgoto decidiu ir à guerra para manter a prorrogação por 30 anos, feita com antecedência de 18 anos, e garantir o faturamento de R$ 18,8 bilhões. Para garantir termo aditivo firmado por Nelsinho Trad (PTB), a Águas Guariroba faz chantagem com Campo Grande para forçar o Tribunal de Contas do Estado a rever a decisão de suspender os termos aditivos.
No desespero e na ofensiva para manter a ilegalidade, o presidente da empresa, Guilhermo Deluca, suspendeu as obras de saneamento, que preveem investimentos de R$ 50 milhões neste ano.
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A guerrilha continuou ontem com o anúncio das retaliações no site Campo Grande News. Conforme o dirigente, a concessionária parou as obras de esgoto em três bairros. A medida vai causar efeito cascata, porque paralisará as obras de pavimentação nos bairros Nova Lima e Aero Rancho, os mais populosos.
O secretário municipal de Infraestrutura, Rudi Fiorese, se juntou à estratégia da concessionária para dramatizar os efeitos da decisão e aumentar a pressão sobre os conselheiros. Ele destacou que a suspensão da renovação do contrato, que ainda vai vencer daqui a 13 anos, pode impedir a pavimentação de 10 regiões da Capital.
Na lógica do secretário, para criar pânico na população, até os bairros com rede de esgoto serão prejudicados, considerando-se que a empresa informa cobertura de 83%.
Águas em números
Clientes: 515.459
Pagam água: 314.506
Pagam esgoto: 200.953
Faturamento anual: R$ 629,449 milhões em 2016
Lucro em 2017: R$ 132 milhões (até setembro)
Investimentos em 2016-2025: R$ 636 milhões
A Águas age politicamente e já demonstrou isso ao comprar, sem necessidade, 10 mil livros jurídicos do advogado André Puccinelli Júnior, filho do ex-governador André Puccinelli (PMDB), sem necessidade. Esta bondade com o chapéu alheio foi revelada pela Polícia Federal na Operação Máquinas de Lama, em maio deste ano.
A empresa é privada, mas os gastos são contabilizados na conta de água. Puccinelli mesmo, quando era prefeito, já chegou a dar dois reajustes em um ano para a concessionária alegando “reequilíbrio financeiro”, apesar de o contrato garantir apenas a reposição anual da inflação.
Ao renovar o contrato por mais 30 anos em 2012, apesar do vencimento só ocorrer em 2030, Nelsinho Trad assegurou um faturamento de R$ 18,8 bilhões para a concessionária.
Este valor previsto do faturamento em três décadas, considerando-se o balanço do ano passado, quando a receita operacional foi de R$ 629,4 milhões.
No ano passado, a concessionária lucrou R$ 133,1 milhões. Ou seja, considerando-se apenas o superávit, a companhia deverá lucrar R$ 3,9 bilhões em 30 anos. Este valor é quatro vezes o investimento previsto pelo governador Reinaldo Azambuja (PSDB) para repassar a parte de esgoto da Sanesul para a controladora da Águas, a Aegea.
Apesar da crise econômica, conforme o relatório do terceiro trimestre deste ano, o lucro da Águas teve crescimento 26%, passando de R$ 104 milhões, de janeiro a setembro de 2016, para R$ 132 milhões no mesmo período de 2017.
Para garantir este faturamento eterno, a concessionária está até distorcendo os dados para forçar o TCE a rever a decisão.
O conselheiro Jerson Domingos acatou, após cinco anos, o pedido do ex-vereador Marcos Alex (PT), porque os aditivos eram irregulares. Nelsinho elencou sete motivos para antecipar a prorrogação.
Até medidas previstas no contrato, como é o caso da devolução do prédio administrativo, onde funciona a Secretaria Municipal de Saúde, o ex-prefeito colocou como motivo para estender o contrato por um ano e 10 meses. Só houve antecipação.
A desativação de poços profundos, também prevista no acordo, garantiu mais dois anos e três meses à concessionária.
Até decisão da Justiça, que considerou ilegal a tarifa de esgoto (que ainda é cobrada e representa 70% da conta do consumidor), foi apontada para ampliar em mais dois anos e três meses.
A antecipação da meta de universalização da rede de esgoto foi responsável para aditivar o contrato em 18 anos e sete meses. Teoricamente, Deluca só deveria reclamar deste item. No entanto, o presidente decidiu ignorar este detalhe e parar todas as obras de esgoto.
O aditamento ilegal também é questionado pelo Ministério Público Estadual, que pediu a suspensão do acordo entre Nelsinho e a empresa.
Na linguagem popular, a concessionária faz chantagem com o poder público – prefeitura, Tribunal de Contas e Tribunal de Justiça. Se não fizerem a minha vontade, a população será punida.
Geralmente, mesmo quando não há pressão, o TCE tem o hábito de recuar nas decisões. Só para citar os últimos exemplos, que foram o reajuste na tarifa do transporte coletivo e na instalação das lâmpadas de LED,que foram suspensos por um tempo, mas liberados em seguida pela corte fiscal.
Neste momento, que o cidadão se pergunta, como o Brasil pode chegar ao primeiro mundo, se os órgãos criados e com poder para proteger a sociedade não seguem ou ignoram a lei.
E não se deve ceder a ameaça de grupos políticos ou econômicos, porque a água é um patrimônio de todos.