Encarregado em zelar pelo cumprimento da lei e fiscalizar o gasto com dinheiro público, o MPE (Ministério Público Estadual) faz licitação até para comprar borracha, lápis e caneta. O processo para escolher apenas um estagiário do nível médio leva a publicação de editais com até cinco páginas no Diário Oficial.
No entanto, ao escolher o prédio para abrigar as Promotorias do Patrimônio Público, justamente as responsáveis pela fiscalização da probidade administrativa dos dirigentes públicos, o órgão derrapou feio e deixou mais suspeitas do que certezas no “negócio da China”, que deve garantir o faturamento de, no mínimo, R$ 4,8 milhões em cinco anos.
O pontapé inicial para selecionar o imóvel foi com a publicação do edital de manifestação de interesse em alugar um prédio com 2.553 metros quadrados de área construída, para abrigar 32 gabinetes de promotores em Campo Grande em 16 de agosto do ano passado.
Assinado pelo “xerife” no combate à corrupção, o promotor Marcos Alex Vera de Oliveira, o edital é sucinto e esconde alguns detalhes fundamentais para atrair interessados em fazer negócio com o MPE: o tempo de locação do prédio e o número de vagas de estacionamento.
Estas duas exigências constam de editais publicadas neste ano para os prédios em Dourados (10 vagas de estacionamento e contrato por cinco anos) e Anaurilândia (duas vagas).
Após um ano, neste mês, o procurador geral de Justiça, Paulo Cezar dos Passos, oficializou a escolha do prédio da Multiplik Empreendimentos Imobiliários, de Nelson Souza Fontoura, criada em 1983. A empresa tem 12 ações de cobrança da Prefeitura de Campo Grande por não pagar tributos municipais, conforme o site do Tribunal de Justiça.
Aqui surgiu outro problema que causou outra polêmica: o prédio, construído na medida para o MPE, já estava pronto.
Um ano antes de ser oficialmente vencedor da “seleção”, Fontoura investiu uma fortuna no prédio, que só poderia ser usado pelo MPE. Levando em consideração o custo da construção civil do IBGE do mês passado, ele investiu aproximadamente R$ 2,6 milhões no edifício, o que lhe assegurará um faturamento mensal de R$ 80 mil, ou R$ 960 mil por ano.
A polêmica foi acompanhada desde o início pelo jornal Midiamax. No decorrer do processo, o MPE só agravou a suspeita ao deixar de esclarecer o processo de escolha. Quando o jornal publicou pela primeira vez a suspeita, o órgão chegou a negar a informação de que o prédio seria locado.
No entanto, na quarta-feira, a assessoria informou ao site O Jacaré que o processo de escolha do novo local começou com o antecessor de Passos, o procurador geral de Justiça, Humberto Brites.
Passos deu prosseguimento ao processo, que culminou com a publicação da manifestação de interesse em locar o imóvel em 16 de agosto do ano passado.
Em seguida, foram enviados ofícios para diversas imobiliárias da Capital para fazer consultas sobre o imóvel disponível para locação. Aqui surge algo espantoso, que não existia na administração pública, a realização de “licitação de ofícios”. Este procedimento não existe em nenhum artigo da Lei 8.666/1993, a que disciplina as formas de contratação de serviços e obras da administração pública.
De acordo com Passos, em janeiro deste ano, o grupo formalizou consulta ao Tribunal de Contas do Estado sobre como proceder a locação sem licitação e por meio do sistema “built-to-suit”, termo da língua inglesa para “construído para servir”, utilizado no setor imobiliário para identificar cotnratos de locação de longo prazo no qual o imóvel é construído para atender os interesses do locatório, já determinado.
A Caixa Econômica Federal recorre ao sistema, mas segue rigorosamente a lei, com a realização de licitação pública. A empresa só inicia a construção após ser selecionada.
Como não realizou licitação, o MPE se viu obrigado a buscar respaldo para o valor do aluguel, de R$ 80 mil por mês. Este respaldo veio da Câmara de Valores Imobiliários (CVI), que elaborou um documento atestando o valor de mercado para o prédio no Bairro Chácara Cachoeira.
Quando a ementa começa estranha, termina pior que o soneto. No edital publicado dia 11 deste mês, assinado pela procuradora-geral adjunta de Justiça Administrativa, Nilza Gomes da Silva, deixa claro que a escolha ocorreu após “ampla pesquisa imobiliária”.
Este é o problema, o MPE não está fazendo a contratação de um serviço simples, com valor de até R$ 150 mil, que dispensa licitação e só exige consulta no mercado para escolher a melhor proposta.
“O imóvel localizado na Rua Luiz Freire Benchetrit, no Bairro Chácara Cachoeira restou como a melhor alternativa ao atendimento encontrando-se, com o valor de locação dentro do preço médio praticado no mercado imobiliário local”, justifica Nilza.
O MPE não deveria pagar o preço médio, mas o menor preço ofertado na região. O princípio da concorrência é exatamente este, proporcionar economia aos cofres públicos e ser justo com quem fez o investimento.
É um negócio a ser investigado pelos promotores de Defesa do Patrimônio Público. No entanto, como eles estão envolvidos nesta trama, a quem a sociedade poderá recorrer para impedir eventual improbidade administrativa no negócio?
O Midiamax noticiou que o Tribunal de Contas vai apurar a suposta irregularidade. Como? O órgão aprovou e ainda orientou Paulo Passos de como proceder para escolher a empresa de forma legal.
O problema é que o procurador geral de Justiça deixou de seguir a máxima citada desde antes de Cristo: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.
A mesma máxima vale para o negócio entre Paulo Cezar dos Passos e Nelson Fontoura, que é casado com uma defensora pública.