Ex-vice-governador, deputado estadual por seis mandatos e uma das principais lideranças da política estadual desde a criação de Mato Grosso do Sul, Ary Rigo, 71 anos, seria “sócio oculto” da Digix, nome fantasia da DigthoBrasil. Conforme investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), o ex-deputado recebia valores mensais e vultosos, teve escritório por nove anos no mesmo local e ainda fez lobby junto ao prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD).
Rigo, considerado intocável na política estadual, mesmo estando sem mandato há sete anos, teve a prisão temporária decretada pelo juiz Mário José Esbalqueiro Júnior na Operação Antívirus, que investiga corrupção, fraude em licitações, lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa. Além dele, toda a cúpula do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) teve a prisão preventiva decretada.
No entanto, como aqui é Mato Grosso do Sul, os 12 presos na operação já foram soltos pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Os habeas corpus foram concedidos pelo desembargador João Maria Lós, que manteve os diretores afastados do Detran.
A investigação contra a Digix começou em 2014, quando o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) detectou movimentação atípica, como a realização de vários saques acima de R$ 100 mil na boca do caixa.
A empresa foi fundada em 2001 com capital social de R$ 2 mil. Conforme os promotores, por nove anos, até 2010, a Digitho dividia o prédio, na Rua Spipe Calarge, no Jardim TV Morena, com o escritório político do ex-deputado. Rigo despachava na sala da frente e os funcionários da empresa nos fundos.
Neste período, a Digix se consolidou firmando contratos milionários com órgãos públicos estaduais. Tudo começou com a Agehab (Agência Estadual de Habitação), ainda na gestão de Zeca do PT, de quem o ex-deputado era um dos principais aliados.
Assim como o ex-deputado, que se aliou aos sucessores, como André Puccinelli (PMDB) e Reinaldo Azambuja (PSDB), a Digix ampliou os contratos com o poder público. Só entre 2012 e neste mês, o Governo estadual repassou R$ 338 milhões à companhia de informática.
Só para se ter ideia, de janeiro a agosto deste ano, o Governo já empenhou R$ 60,7 milhões para a Digix, o que representa aumento de 50% aos R$ 40,4 milhões repassados em 2012, na gestão de Puccinelli.
Outro indício da sociedade oculta é o repasse de vultosas quantias para o ex-deputado e sua esposa, Márcia Rigo. Os pagamentos eram feitos pelo “sócio formal”, Jonas Schimidt das Neves, e pelo seu assessor, Claudinei Martins Rômulo.
Conforme o MPE, Jonas foi funcionário da Assembleia por muitos anos. Atualmente, seu nome não consta do site da transparência, mas a última movimentação foi pedido de licença por dois, sem remuneração, assinada no início de 2015.
Em interceptações telefônicas, feitas com autorização judicial, Rigo dizia que estava com “saudades” quando estava precisando de dinheiro. Conforme as investigações, logo em seguida, o dinheiro era entregue ao deputado. Gaeco monitorou os saques, os encontros e os repasses feitos por Jonas e Claudinei.
O terceiro indício era que o ex-presidente da Assembleia Legislativa atuava como lobista da empresa. A pedido de Jonas, ele se encontrou neste ano com o prefeito da Capital, Marquinhos Trad, para defender os interesses da Digix.
O ex-deputado trata detalhes do encontro com o prefeito com a diretora da empresa, Suely Aparecida Carrilhos de Almoas. Além das interceptações telefônicas, o Gaeco monitorou e fez fotos do encontro de Rigo com Marquinhos.
Para o juiz, há provas irrefutáveis de que o ex-deputado é o sócio oculto da Digix, empresa que teve ascensão meteórica graças aos contratos firmados com o poder público estadual e municipal.
A quebra do sigilo bancário revelou que a empresa recebeu R$ 128 milhões do Governo estadual entre janeiro de 2013 e março de 2015, mas movimentou R$ 345 milhões em créditos e R$ 343 milhões em débitos.
Versão do acusado – Inicialmente, o advogado Carlos Marques, chegou a dar entrevistas negando qualquer relação entre Rigo, a Digix e os sócios. No entanto, ao tomar conhecimento dos detalhes da investigação, a versão mudou.
Uma das lendas da política sul-mato-grossense, Rigo passou uma noite na cadeia. Ele dormiu em cela da 3ª Delegacia de Polícia. Antes de pedir a soltura, o ex-parlamentar tentou ser ouvido pelo Gaeco. Contudo, o depoimento estava previsto para amanhã e os promotores não concordaram em antecipar.
No pedido de habeas corpus encaminhado ao desembargador João Maria Lós, o tucano se antecipou e prestou esclarecimentos por escrito.
Rigo negou, de forma veemente, que seja sócio oculto da Digix. Ele contou que é fazendeiro e mantém “negócios pecuários” com Jonas Schimidt das Neves. Sobre os pagamentos, contou que se tratam da venda de gado e anexou notas fiscais para comprovar a transação.
Ele negou que a Digix tenha funcionado no mesmo prédio que seu escritório político. Na versão do parlamentar, a sala era alugada e deixou o prédio quando o dono o vendeu para a empresa.
Sobre o lobby, confirmou que conversou com Marquinhos Trad, com quem mantém bom relacionamento, a pedido de Jonas e discutiu, por telefone, os termos do encontro com Suely. No depoimento por escrito, ele frisa que não há problema nenhum em fazer lobby e receber por mês por este serviço. Entretanto, negou que tenha cobrado para defender a contratação da Digitho pela prefeitura.
Rigo nega que seja sócio da Digix e classifica a prisão temporária como “desumana e absurda”.
Este não é a primeira operação a flagrar alguma suposta irregularidade cometida pelo ex-deputado. A primeira foi a Operação Bola de Fogo, da Polícia Federal, que desarticulou o contrabando de cigarros. Rigo teria recebido R$ 40 mil de Hyran Garcete para a campanha eleitoral.
Ele regularizou a situação e acabou absolvido por unanimidade no Tribunal Regional Eleitoral.
Em setembro de 2010, em gravação feita pela Operação Uragano, o então primeiro secretário da Assembleia Legislativa falava do suposto mensalão pago a autoridades sul-mato-grossense, que seria de R$ 2 milhões para o ex-governador André Puccinelli (PMDB), R$ 6 milhões para deputados estaduais, R$ 900 mil para desembargadores do Tribunal de Justiça e R$ 300 mil para o chefe do MPE, Miguel Vieira da Silva.
As investigações feitas no Estado foram arquivadas sem apontar um desfecho. No entanto, a investigação criminal ainda continua no Superior Tribunal de Justiça, que já quebrou o sigilo bancário da Assembleia Legislativa.
Ex-deputado faz exames para cirurgia gravíssima no coração neste ano
Engenheiro agrônomo e fora da política desde que não conseguiu se reeleger deputado estadual em 2010, Ary Rigo informou à Justiça de que fará “uma gravíssima cirurgia do coração”, para a troca da válvula aórtica, até o fim deste ano.
A prisão na terça-feira o impediu de realizar vários exames médicos para avaliar o risco cirúrgico. Para comprovar os problemas de saúde, a defesa anexou os pedidos elaborados pelo médico Alexandre Pinto de Arruda.
No período em que ficou preso, o ex-deputado perdeu os exames agendados, como ecocardiograma, Doppler de carótidas e vertebrais e angiotomografia.
De acordo com o advogado Carlos Marques, ele precisa de acompanhamento médico diária e toma vários medicamentos para o problema no coração.
Além disso, a defesa destacou que o filho do parlamentar tem gravíssimos problemas neurológicos e físicos, que tem dependência 100% do pai. A prisão teria efeitos traumáticos no garoto.