O juiz Carlos Alberto Garcete, da 1ª Vara do Tribunal do Júri, detectou manobra do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) para proteger o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) da investigação por suposta cobrança de propina em troca da concessão de benefícios fiscais. Além de “falhas”, ele detectou o direcionamento nas investigações, feitas pela Polícia Civil e pelo MPE (Ministério Público Estadual) para atingir apenas as “vítimas” no escândalo da cobrança de vantagens indevidas na administração estadual.
Em novos despachos, o magistrado esclarece porque só decretou a indisponibilidade dos bens e contas bancárias do empresário José Alberto Miri Berger, da sua esposa, Mirela Barbosa Berger, da empresa Braz Peli e do contador, Cícero Paulo Nascimento da Silva.
O Gaeco e a Dedfaz (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Defraudações, Falsificações, Falimentares e Fazendários) só focaram a devassa no autor da denúncia contra o grupo político do governador.
Integrante do grupo criado pelo Tribunal de Justiça para combater o crime organizado, Garcete fica espantado pela Força-Tarefa não se preocupar em descobrir como o empresário cometeu as supostas ilegalidades sem a participação de nenhum funcionário público. Nenhum investigador se preocupou em verificar se havia falha na fiscalização do regime especial.
Garcete destaca que os órgãos não podem ter seletividade na investigação, como o ocorrido neste caso, de mirar apenas a “vítima”. Berger denunciou que foi obrigado a pagar propina de R$ 500 mil para retomar o benefício fiscal. Depois, indignado pela cobrança de propina mensal de R$ 150 mil, ele gravou um vídeo pagando R$ 30 mil ao corretor de gado José Ricardo Guitti, o Polaco, que seria interposto do ex-chefe da Casa Civil, Sérgio de Paula.
O mais estranho, conforme o juiz, foi que o grupo decidiu mirar a Braz Peli, que seria o terceiro maior grupo frigorífico do Estado, mas não ampliou a investigação para a JBS, o maior de Mato Grosso do Sul. O grupo denunciou prática semelhante e citou nominalmente o pagamento de R$ 38,4 milhões em propinas diretamente ao governador. Os investigadores da Dedfaz e do Gaeco foram os únicos moradores do Brasil que não ficaram sabendo do escândalo.
O juiz fica indignado com a “competência” dos promotores do Gaeco – eles ouviram o empresário falar em coação, mas não perguntaram quem o estava coagindo.
Após o magistrado dar prazo de 48 horas para o Gaeco ouvir José Berger, o grupo revelou ao magistrado que já tinha tomado os depoimentos nos dias 6 e 10 de junho. Nestes interrogatórios, Berger, o dono do frigorífico Benilson Esteves Tangerino, e o presidente da Assocarnes (associação de frigoríficos), João Alberto Dias, revelam o suposto esquema de corrupção no fisco.
Ao tomar conhecimento dos depoimentos, quase dois meses depois, o juiz se mostra indignado.
“Mas agora se descobre, estranhamente, pelas declarações prestadas pelo empresário na Polícia, que este havia comparecido na sede do GAECO, no mês de junho do corrente ano, e detalhado a coação que teria sofrido de autoridades do Estado, fato que foi omitido pelo referido Grupo Especial a este Juízo, não obstante fosse elemento extremamente importante para que este Magistrado pudesse decidir sobre a questão da modificação de competência por existência de foro especial”, reage Garcete.
Acuado pela determinação do juiz, o Gaeco entrega os nomes dos suspeitos de integrar a suposta organização criminosa: Sérgio de Paula, o coordenador regional da Secretaria de Governo, Zelito Alves Ribeiro, o superintendente de Administração Tributária, Lauri Kener, o secretário estadual de Fazenda, Márcio Monteiro, e o governador, entre outros.
No documento, assinado pelos promotores Marcos Roberto Dietz, Fernando Martins Zaupa, Thalys Franklyn de Souza e Tiago Di Giulio Freire, o Gaeco pede que todo o processo suba para o Superior Tribunal de Justiça, porque o governador tem foro especial.
Contudo, em despacho na segunda-feira (7), o juiz pede para a defesa de Berger, feita pelo advogado Fábio Trad, manifestar-se sobre a competência do caso e encaminhe os depoimentos já prestados ao Gaeco em junho. Depois de todas as falhas no processo, a tendência é que o empresário concorde que o STJ e a Polícia Federal passem a investigar o caso.
Carlos Alberto Garcete já se antecipou, em outro despacho, ao fim da seletividade no inquérito. Ele determinou que o Gaeco e a Dedfaz passem a investigar o escândalo da JBS,que ganhou repercussão nacional e também envolve a cobrança de propina em troca de isenções fiscais.
Pelas informações do processo e indignação do magistrado, fica evidente que o governador convenceu, de fato, os procuradores de Justiça de que é inocente. Logo após a revelação feita pelo JBS, de que teria cobrado propina, Reinaldo se reuniu com os integrantes do MPE para se explicar e negar as acusações.
Na ocasião, o procurador geral adjunto de Justiça, Humberto Brites, manifestou-se pela certeza de que o tucano era inocente. Ele explicou que um dos políticos mais ricos do País, com patrimônio declarado de R$ 38,5 milhões em 2014, não ia entrar na política para ser corrupto.
Após a divulgação da cobrança de propina da Braz Peli pelo Fantástico, Brites, exercendo o cargo de chefe do MPE, divulgou nota prometendo investigar o caso. No entanto, parece que por enquanto, o Gaeco limitou-se a focar no autor da denúncias.
Para encerrar, a frase do juiz Carlos Alberto Garcete, que abriu o despacho sobre a condução da investigação até o momento:
“Lamentavelmente, este Juiz tem observado, desde o início deste procedimento, que as agências de investigação (para usar a expressão de Zaffaroni) não têm exercido o mister como deveriam”, cita.
Espera-se que as coisas mudem e o Gaeco passe a apurar todas as denúncias, para que se prove a culpa ou inocência dos citados nos escândalos. Com tanta coisa, MS já pode pedir música no Fantástico.
Garcete critica segredo de Justiça para proteger uns
Com o segredo de Justiça sendo utilizado para proteger autoridades, o juiz Carlos Alberto Garcete, faz defesa da transparência dos processos, principalmente, de pessoas com cargos relevantes.
Ele defende tratamento igual entre o gari e um governante.
Confira o trecho na íntegra:
“Portanto, em um Estado Democrático de Direito, essa é a ordem natural das coisas: a transparência, em que pesem muitos abusos na concessão de segredos de justiça a processos apenas porque envolvem pessoas com cargos mais “relevantes” na sociedade, o que, em última razão, acaba por desigualar a isonomia que deveria existir no processo, visto que não deve haver diferença do réu que é, ad exemplum, auxiliar de serviços gerais, servente de pedreiro, gari, etc., para aquele em que o investigado ou réu é empresário, profissional liberal, político, magistrado etc.”