O sumiço da Solar Distribuição e Transmissão após o pagamento da bolada de R$ 20,520 milhões começa a suscitar suspeitas de que o negócio não passou de um “conto do vigário”. Após o TCE (Tribunal de Contas do Estado) contrariar o prefeito Marquinhos Trad (PSD) e manter o contrato suspenso, jornais começaram a revelar o “pós verdade” da empresa mineira.
O negócio começou errado com o prefeito Alcides Bernal (PP), que firmou contrato sem licitação e por meio de adesão à ata da Associação dos Municípios do Médio São Francisco. Pela compra de 20.367 lâmpadas, a prefeitura pagaria R$ 33 milhões. A empresa entregou o produto, mas só conseguiu substituir 4.247 luminárias, já que o negócio foi suspenso a pedido da Câmara Municipal.
MPE vê “negócio da China” como irregular
Além do TCE, o promotor Marcos Alex Vera de Oliveira ingressou com ação civil pública para anular o negócio suspeito. Ele pede a devolução das lâmpadas estocadas na Secretaria Municipal de Infraestrutura e o ressarcimento da prefeitura dos R$ 20,5 milhões já pagos. O juiz marcou audiência de conciliação para discutir o assunto no dia 5 de julho.
O prefeito já sinalizou que deseja instalar as lâmpadas estocadas, porque a iluminação é boa e o custo, como alega Bernal, saiu mais em conta para o município. Trad chegou a constatar que houve redução no consumo de energia.
No entanto, a situação é muito mais complexa. O gerente de iluminação da secretaria, Eilonei Francisco de Souza, em depoimento ao promotor, revelou que a instalação exige adequação do sistema de iluminação, projeto técnico e obras para evitar problemas futuros. Não é a mesma coisa de uma casa, que troca as lâmpadas quentes pelas frias.
O secretário de Infraestrutura, Rudi Fiorese, também destacou que a instalação das novas lâmpadas de LED exige reestruturação da rede para evitar oscilações na iluminação. Este problema ocorreu logo após a substituição de algumas luminárias ainda na gestão de Bernal.
Mas esse não é o único problema. A Solar deixou Campo Grande. O prédio alugado para ser a sede está vazio. A empresa não pagou aluguel e a Justiça já ordenou o despejo.
O advogado Carlos Roberto de Souza Amaro, que firmou um misterioso contrato de R$ 360 mil com a Solar em setembro do ano passado, cobra o pagamento de R$ 91 mil em honorários. A Justiça determinou o pagamento e a penhora online, mas o Banco Central informou que a empresa não tinha nenhum centavo na conta, apesar do pagamento de R$ 20,5 milhões feito pela prefeitura em setembro do ano passado.
O Midiamax e o Campo Grande News não conseguiram localizar o proprietário da empresa, Rodrigo José da Silva. Os telefones da Solar não atendem em Montes Claros (MG).
O Jacaré chegou a relembrar que a empresa pretendia instalar uma fábrica de LED em Campo Grande, que geraria 200 empregos e traria investimento de R$ 20 milhões. O anúncio publicitário foi veiculado no ano passado no Campo Grande News e a empresa se apresentava como multinacional espanhola.
No entanto, o único dono da Solar Distribuição e Transmissão, instalada em Montes Claros, é Rodrigo José e a criou em 21 de março de 2005. Leigo em questão de nomes, não dá para afirmar se este Rodrigo José da Silva é espanhol.
Após as últimas descobertas, a dúvida que fica é quem mais participou do “conto do vigário” – para quem não entender, é bom ser claro, a palavra clara é golpe – aplicado no povo de Campo Grande.
É caso de investigação policial.
Não é primeira vez que a prefeitura é vítima de caso semelhante. Em 1999, o então prefeito André Puccinelli (PMDB) se envolveu no “lixogate”, como ficou conhecido o escândalo do lixo. Na época, o italiano Moreno Gori falsificou depósito de R$ 1 milhão do Banco do Brasil para formar consórcio e assumir a coleta do lixo, então sob o comando da multinacional Vega Engenharia Ambiental.
Bernal diz que enviou equipe à Minas para checar empresa
O ex-prefeito Alcides Bernal informou que checou a existência das lâmpadas e defende a troca. Ele rebate os argumentos dos técnicos de que a mudança exige readequação da rede de iluminação pública.
“É muito simples a instalação dessas lâmpadas. Em menos de 5 minutos, desenrosca retirando a vapor de sódio e enrosca a LED”, explicou.
“Não se trata de obra de mudança de poste, fiação, sobrecarga de energia. Nada disso. É substituição benéfica, pura, rápida e simples”, destacou, rebatendo a tese de Eulonei e Rudi Fiorese.
Sobre a existência da empresa, Bernal revelou que uma equipe da secretaria foi a Montes Claros. “Mandei para certificar a realidade, para confirmar se aquela situação de ter as lâmpadas Led era verdade”, disse.
O ex-prefeito conta que conversou com Rodrigo José duas ou três vezes.
Sobre o fato da empresa sumir da cidade, ele responsabiliza os vereadores pela decisão. “E com a concretização da suspensão pelo TCE (Cons. Ronaldo Chadid) a pedido dos vereadores representados pelo vereador João Rocha (PSDB) e a informação que não teriam chance de trabalhar em Campo Grande resolveram aguardar… foram trabalhar em outro lugar”, explicou.