O Brasil caminhava para a era do respeito ao direito de todos os trabalhadores. A última categoria a subir um degrau foram os domésticos, que passaram a ter direito a férias, 13º, horas extras e descanso remunerado. De repente, tudo desandou.
E com este Congresso Nacional não há limites no recuo no tempo e nos direitos trabalhistas. A última parece piada de mau gosto ou retórica de sindicalista, mas, infelizmente, é verdade. O Congresso já discute o projeto de lei do deputado Nilson Leitão (PSDB/MT), que propõe trocar salário por casa e comida na zona rural.
Pela proposta encampada pela bancada ruralista e divulgada ontem pelo jornal Valor Econômico, o CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) seria extinta no campo. Os trabalhadores rurais não seriam mais nem protegidos pela Justiça Trabalhista.
A proposta ridícula não foi retirada. Ela prevê que o trabalhador deixe de receber salário em dinheiro, se optar. Vai naquela linha dos defensores das reformas trabalhista e previdenciária, com 13 milhões de desempregado, quem não aceitar a mudança, que ceda a vaga a quem estiver disposto a trabalhar.
Ou seja, os ricos produtores rurais poderão chegar para o funcionário e propor a troca do salário por casa e comida. O pobre trabalhador não terá opção: ou aceita ou será demitido.
E a proposta é regredir no tempo, ficar na véspera dos tempos em que negros só podiam trabalhar como escravos. O patrão pagará o trabalho com moradia e alimentação farta.
Pela proposta, se pagar salário normal, o empregador poderá reduzir até 45% para descontar moradia (20%) e alimentação farta (25%). A medida vale para cada trabalhador que residir na casa. Leitão ainda tem um pouco de preocupação social e veta a instalação de senzalas, como podemos chamar a proibição de moradias coletivas para famílias.
O trabalhador rural deverá se submeter a jornada de até 12 horas de trabalho, com uma hora para a alimentação. Esses 60 minutos poderão ser divididos em dois tempos de 30min, sendo o primeiro para o almoço e o segundo para o lanche noturno. Das 24 horas do dia, a lei prevê que o descanso deverá ser de 11 horas entre uma jornada e outra.
Preocupado com os tempos difíceis no campo, o deputado quer mudar a lei para permitir 18 dias contínuos de trabalho, sem repouso. Neste caso, o funcionário terá direito a apenas um dia de descanso no mês, contra os quatro atuais.
Pelo “acordo” firmado de livre e espontânea vontade, o trabalhador também poderá vender integralmente as férias. Neste caso faz sentido, porque não será possível pagar o ônibus, a gasolina ou avião com “moradia e alimentação farta”. O escambo ainda não voltou ao país, por enquanto.
A proposta prevê tratar o trabalhador rural como pessoa jurídica, ou seja, não vai ser enquadrado na CLT.
Mas se o “empresário” trabalhar à noite, terá direito a adicional noturno de apenas 25%.
A bancada ruralista defende o projeto porque a Justiça trabalhista trata os trabalhadores rurais com “preconceito”. Exemplo é o caso de um grupo resgatado em uma fazenda porque dividiam a casa com os porcos. É preconceito tratá-los como “gente” com direito a dignidade.
Em Mato Grosso do Sul, a proposta pode mudar o tratamento dado hoje a 69,3 mil trabalhadores rurais, segundo o Ministério do Trabalho. Eles possuem renda média de R$ 1.721,54 por mês e representam 10,7% dos 645,6 mil empregados com carteira assinada.