O ex-diretor do Departamento de Tecnologia da Informação do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, Edvaldo de Lira Simões, virou réu por improbidade administrativa por manipular o sorteio de processos e escolher a dedo o juiz para julgar a ação criminal da Operação Coffee Break. Ele pressionou servidores e aproveitou “falhas no sistema” para direcionar o processo, que tem como réus o ex-prefeito de Campo Grande, Gilmar Olarte (sem partido), o ex-governador André Puccinelli (MDB) e o senador Nelsinho Trad (PSD), entre outros.
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Em despacho publicado nesta terça-feira (2), o juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, aceitou a denúncia de improbidade contra Simões. O despacho revela a história, outro escândalo, que correu em sigilo, inclusive com operação secreta da Polícia Federal e investigação de desembargadores no Superior Tribunal de Justiça.
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Apesar de conversas gravadas, da ação ter ido parar na 5ª Vara Criminal, comandada pelo juiz Valdir Peixoto, e dos depoimentos, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) deu parecer pelo arquivamento do inquérito na área criminal. Três promotores e o então procurador-geral de Justiça em exercício, Humberto Brites, optaram por arquivar a denúncia, apesar da resistência do juiz da 2ª Vara Criminal.
O caso chega ao público graças à ação de improbidade administrativa protocolada pelo promotor Marcos Alex Vera de Oliveira, quando era da 30ª Promotoria do Patrimônio Público. É mais um caso nebuloso envolvendo Olarte e os poderosos políticos sul-mato-grossenses.
Conforme a denúncia, Edvaldo de Lira Simões procurou coordenador do Cartório de Distribuição, Renato Brito Escobar, para pressioná-lo a direcionar a ação penal para a 5ª Vara Criminal. Em diálogo gravado, ele pede para o coordenador dar atenção para “aquele processo do Olarte”. “São dois processos. Um vai descer. E eu preciso fazer cair numa determinada vara”, pede. Na época, Simões era diretor de Tecnologia da Informação do TJMS.
“Tem que cair na 5ª”, pediu ao sucessor na coordenadoria de distribuição de processos da Justiça, que deveria ser aleatória e sem direcionamento. Ele falou que estava falando em nome de “peixe grande”. Esta história levou a abertura de processo pela Polícia Federal e abertura de procedimento contra desembargadores. Houve operação da PF que a sociedade nunca ficou sabendo. No entanto, o STJ acabou arquivando a denúncia contra os desembargadores, mas determinou a continuidade do processo contra os investigados sem foro privilegiado.
Além da gravação, outros funcionários confirmaram a pressão de Edvaldo de Lira Simões para o processo cair na 5ª Vara Criminal. Em depoimento, o então diretor disse que só estava fazendo um teste com o sucessor no Cartório de Distribuição.
“Nos parece que a versão da defesa (teste de lisura do sistema de distribuição) não é suficientemente convincente para impedir a instrução da ação de improbidade administrativa, pois é, no mínimo estranho, que o requerido procure seu sucessor no Cartório Distribuidor (Renato Brito Escobar) para propor-lhe o direcionamento de uma distribuição, na esperança de descobrir falhas do sistema, se o próprio requerido Edvaldo de Lira Simões ocupou por anos o mesmo cargo que Renato ocupava”, afirmou o juiz David de Oliveira Gomes Filho.
“Esta versão convenceu o Ministério Público, que pediu o arquivamento do inquérito policial, e o Procurador Geral de Justiça em Exercício (MP), que chancelou este pedido, mesmo diante da resistência do juiz criminal em fazê-lo”, pontuou.
“E diga-se, coincidência ou não, os processos que o requerido Edvaldo queria que fossem distribuídos para a 5ª Vara Criminal realmente o foram. A situação foi corrigida, em seguida, pela Corregedoria, pois o processo em questão era dependente de outro em outra vara”, explicou o juiz.
A ação penal acabou sendo distribuída a 6ª Vara Criminal, cujo titular é o juiz Márcio Alexandre Wust. Ele aceitou a denúncia por corrupção passiva contra os réus, inclusive os poderosos, como Puccinelli, Olarte, Nelsinho, o presidente da Câmara Municipal, Carlão (PSB), e os vereadores Jamal Salem (MDB), João Rocha (PSDB), Otávio Trad (PTB) e Gilmar Nery da Cruz (Republicanos), entre outros.
Ao aceitar a denúncia contra o ex-diretor do TJMS, o juiz ressaltou que não é condenação. “Neste cenário, os elementos indiciários trazidos pelo Ministério Público são suficientes para possibilitar que o processo tenha prosseguimento com suas demais fases. Repito que não se está atribuindo qualquer responsabilização ao requerido neste momento, mas apenas reconhecendo, como dito, que a ação é viável e deve ter prosseguimento. Por estes motivos, recebo a inicial”, concluiu.
Lira é analista judiciário e continua lotado no Tribunal de Justiça no setor de distribuição. Logo após o escândalo, ele chegou a ser cedido para o Tribunal de Contas do Estado.
Os acusados de tramar o golpe para cassar o mandato de Alcides Bernal (Progressistas) vão a julgamento por improbidade a partir do dia 18 de maio deste ano. Olarte foi condenado a 12 anos de prisão em regime fechado, mas ainda não foi preso para iniciar o cumprimento da pena.