Acórdão mostra que o papel de mãe sensibilizou os ministros do Supremo Tribunal Federal, mas as provas pesaram na decisão para manter Tânia Garcia de Freitas Borges afastada do cargo de desembargadora do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Ela é acusada de usar o prestígio e influência para ajudar o filho, o empresário Breno Fernando Solon Borges, 39 anos, do presídio de Três Lagoas em 21 de julho de 2017.
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A 1ª Turma do STF negou o mandado de segurança por 4 votos a 1 no dia 28 de maio deste ano. Conforme acórdão publicado nesta quarta-feira (7), único a acatar o pedido da magistrada, o ministro Marco Aurélio fez duras críticas ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que teria agido em decorrência da “grande repercussão na mídia”.
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O afastamento ocorreu em 9 de outubro do ano passado, no meio das eleições, e incluiu a perda do cargo de presidente do Tribunal Regional Eleitoral. O Supremo negou dois mandados de segurança contra afastamentos determinados pelo CNJ.
“In casu, é possível inferir que o afastamento do cargo da Magistrada decorreu não só da gravidade dos fatos objeto das imputações – que, de acordo com o CNJ, lançam fundadas dúvidas quanto à lisura e imparcialidade sobre as decisões em geral por ela proferidas –, mas, principalmente, da existência de elementos suficientes para suportar a conclusão de que a permanência da Desembargadora no cargo poderá colocar em risco a instrução processual”, destacou o relator, ministro Luiz Fux.
Ele foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Alexandre de Moraes. Aliás, Barroso se sensibilizou com a história da desembargadora, que fez de tudo para tirar o filho do presídio e interná-lo em clínica psiquiátrica, apesar dele não usar mais drogas.
“Primeiro, é impossível não ser solidário, evidentemente, a essa mãe, a essa senhora. Não desejaria situação semelhante para o meu pior inimigo – e Graças a Deus não os tenho –, mas se há uma situação na vida sofrida certamente será essa”, destacou Barroso.
“E acho que, como mãe e como pessoa, ela está perdoada, porém, como agente do Poder Judiciário, penso que esses fatos – e aqui sem fazer nenhum prejulgamento – não comportam análise, em mandado de segurança, de saber exatamente como eles se passaram”, ressaltou.
O pesadelo da magistrada começou com a prisão do filho, então dono de serralheria na Capital, no dia 7 de abril de 2017. Ele, a namorada e um funcionário foram presos pela Polícia Rodoviária Federal com 129 quilos de maconha, uma pistola nove milímetros e 199 munições de armas de uso restrito e proibido, como fuzil calibre 762.
Em julho, o desembargador Ruy Celso acatou pedido da colega de corte e concedeu habeas corpus para internar Breno em clínica psiquiátrica. Só que ele foi acusado de integrar organização criminosa e de ajudar na fuga do chefe da facção pela Polícia Federal, que pediu e conseguiu o segundo mandado de prisão preventiva.
Na noite do dia 20 para 21 de julho, o desembargador José Ale Ahmad Netto acatou segundo pedido da desembargadora e determinou a transferência imediata. Para cumprir esse habeas corpus, ela se deslocou até Três Lagoas em carro do TJMS, onde usou a estrutura da Polícia Civil e teria ameaçado o diretor do presídio para retirar o filho da prisão.
Para Fux, as provas são irrefutáveis de que houve o uso do prestígio e influência do cargo para a obtenção de benefício ilícito. No caso, não houve a tramitação exigida nem a escolta legal para a transferência do preso.
“De fato, ante a conjuntura fática delineada no acórdão ora coator, verifica-se que: (i) o ato está fundamentado em múltiplos e concatenados elementos de prova; (ii) os argumentos e provas produzidos pela defesa da magistrada foram devidamente considerados pelo integrantes do Conselho Nacional de Justiça – a denotar a observância das garantias do contraditório e da ampla defesa; e (iii) restou formada convicção, pela unanimidade do órgão de controle, no sentido de haver indícios contundentes de infrações funcionais, aptos à instauração de procedimento administrativo disciplinar e à determinação de afastamento cautelar da referida Desembargadora das funções jurisdicionais e administrativas inerentes ao seu cargo perante o TJMS e o TRE-MS”, anotou Fux, que foi acompanhado pelos ministros Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber.
Marco Aurélio divergiu do relator com duras críticas ao CNJ. “Não posso dissociar a figura da impetrante, de mãe, da figura de Desembargadora. Potencializo a condição de mãe. De posse de pronunciamento judicial, buscou, em relação ao filho, vê-lo cumprido. E então, ante o barulho feito pela mídia, foi instaurada reclamação disciplinar de ofício pelo Corregedor Nacional de Justiça”, afirmou.
“Para não perder a viagem, foi adiante, dando satisfação vã à sociedade, à turba barulhenta: implementou o afastamento da Desembargadora, que, a esta altura, praticamente está – ou quase está –execrada frente aos jurisdicionados”, anotou Marco Aurélio, criticando o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins.
Para Marco Aurélio, o ministro deveria delegar ao TJMS a abertura de procedimento para apurar o caso e não assumir o ato após a mídia nacional repercutir a história. Ele também considerou precipitado o afastamento da magistrada do cargo.
Tânia Garcia ainda é alvo de outro procedimento no CNJ, que apura tráfico de influência e venda de sentença junto com o tenente-coronel Admilson Cristado, preso e condenado na Operação Oiketicus, que denunciou a ligação de policiais militares com a Máfia do Cigarro.
O filho da magistrada está preso em Três Lagoas, onde cumpre a pena de nove anos e seis meses por associação criminosa. Ele será julgado pelo crime que levou ao afastamento da mãe no dia 4 do próximo mês.